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Olimpíadas do Rio de Janeiro 2016, no Brasil. Martine Grael e Kahena Kunze, medalha de ouro na classe 49erFX, na Marina da Glória.
Olimpíadas do Rio de Janeiro 2016, no Brasil. Martine Grael e Kahena Kunze, medalha de ouro na classe 49erFX, na Marina da Glória.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Entre as funções do Comitê Olímpico do Brasil (COB), representante do Comitê Olímpico Internacional no Brasil (COI), estão desenvolver, promover e proteger o Movimento Olímpico; representar o Brasil nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos; e co-organizar os Jogos Olímpicos quando são organizados em seu país. Foi o caso do COB no Rio-2016.

Tradicionalmente, os países que organizam Jogos Olímpicos aproveitam o fato de sediar o evento para criar um legado para os seus atletas, o que, em regra, se traduz em aumento significativo de medalhas. Foi assim com a China em Pequim-2008 e com Grã Bretanha em Londres-2012. No Rio de Janeiro, o Brasil teve sua melhor participação da história, com 19 medalhas, sendo sete de ouro, e conquistou a 13.ª colocação no quadro de medalhas. Como legado ficou, por exemplo, o Laboratório Olímpico, que tem uma das maiores tecnologias do mundo e que atrai atletas do mundo inteiro.

Encerrados os jogos do Rio, iniciou-se imediatamente um novo ciclo olímpico, tendo em vista os jogos de Tóquio, em 2020. Um ciclo que começou bastante conturbado, com a renúncia de Carlos Arthur Nuzman, então presidente do COB, substituído por Paulo Wanderley Teixeira, que iniciou nova era na entidade.

Os anos de desgoverno têm trazido reflexos desoladores para todos os setores do país, inclusive o desporto olímpico

Além das tradicionais e esperadas dificuldades de uma transição, o COB passou a sofrer graves entraves financeiros oriundos da crise econômica que os governos anteriores deixaram, bem como da predatória (e até ilegal) política arrecadatória da Fazenda Nacional, com a inclusão do Comitê Olímpico do Brasil em execuções de outras entidades e, ainda, com a nova regra de tributação das remessas de recursos para desportistas no exterior, no importe de 33%.

Ora, a principal fonte de recursos do COB é o porcentual de 1,7% da arrecadação dos concursos de prognósticos e da Loteria Federal. A recessão econômica leva necessariamente à redução de dinheiro circulante e, por consequência, a queda na arrecadação. Para recebimento dos repasses públicos, tem-se entendido que o COB não pode ter débitos tributários. Entretanto, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) incluiu o COB nas execuções fiscais que move contra a Confederação de Vela e Motor, sob o fundamento de que o Comitê Olímpico do Brasil teria atuado com fraude ao desfiliar a confederação devedora e filiar a CBVela em seu lugar. A atuação da PGFN é, com toda a certeza, fruto do desespero arrecadatório criado pelos governos passados que deixaram o Brasil em total estado de penúria.

É totalmente ilegal a vinculação do COB ao débito fiscal da Confederação Brasileira de Vela e Motor, eis que o Comitê Olímpico do Brasil a excluiu e aceitou a filiação da CBVela. Essa troca cumpre uma determinação da Carta Olímpica, segundo a qual a confederação filiada deve ser aquela aceita pela federação internacional da modalidade em questão. Ou seja, antes de o COB trocar a Confederação Brasileira de Vela e Motor pela CBVela, a Federação Internacional de Vela já o havia feito! Vale dizer que a Lei 9.615/98, conhecida como Lei Pelé, estabelece em seu art. 1.º, §1.º, que a prática desportiva formal é regulada também pelas normas internacionais – logo, por disposição legal, o Comitê Olímpico do Brasil estava obrigado a desfiliar a Confederação Brasileira de Vela e Motor e filiar a CBVela.

Além disso, a formação do grupo econômico que pretende a PGFN depende de alguns requisitos e um deles é a extinção da devedora. No entanto, a Confederação Brasileira de Vela e Motor, apesar de não mais ser filiada à Federação Internacional e nem ao COB, segue existindo, tanto que tem comparecido e se defendido em todos os processos.

Leia também: Olimpíada, reflexão jornalística (artigo de Carlos Alberto Di Franco, publicado em 29 de agosto de 2016)

Leia também: Olimpíada Rio 2016: qual o legado para o esporte brasileiro? (artigo de Michele Bravos, publicado em 29 de agosto de 2016)

Por fim, há, ainda, um grande debate jurídico em que o COB defende, com o apoio do atual governo, que a Certidão Negativa de Débitos é desnecessária para a liberação dos recursos. O grande problema tem sido a imensa burocracia deixada pela estrutura do antigo Ministério dos Esportes e a atual conjuntura econômica. Ademais, trata-se de repasse obrigatório e não voluntário de valor não público, mas oriundo da exploração das loterias. Isso se daria pelo fato de a Lei Pelé, em seu artigo 56, e de a Lei 13.756/2018, em seu artigo 22, ao estabelecerem o repasse dos valores da loteria ao COB, não estabelecerem qualquer condição. Sendo assim, a Caixa, responsável pelo repasse, não poderia descumprir a legislação invocando requisito não previsto em Lei.

A atuação da PGFN e a herança maldita deixada pelos governos Lula e Dilma/Temer estão em vias de colocar a perder todo um ciclo olímpico.

Os próximos Jogos Olímpicos serão no Japão; a delegação brasileira terá contra si o fuso horário e a cultura, tornando indispensável a realização de eventos para aclimatação dos atletas. A demora ou o não repasse dos recursos públicos, sua redução e a subida do dólar dificultarão muito a reta final da preparação brasileira para 2020. Não bastasse a precarização dos estádios da Copa do Mundo e das instalações dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, o esporte brasileiro corre o sério risco de perder também todo o avanço desportivo que suas equipes e atletas alcançaram com o Rio-2016.

Infelizmente, apesar da conjuntura esportiva favorável, os anos de desgoverno têm trazido reflexos desoladores para todos os setores do país, inclusive o desporto olímpico. Portanto, é necessário que o atual governo consiga avançar com as suas reformas, a fim de que o país não se atole ainda mais na maior crise de sua história. Para tanto, o Congresso Nacional precisa deixar de lado as rixas ideológico-partidárias e atuar com a intenção única de tratar dos interesses do país.

Gustavo Lopes Pires de Souza é mestre em Direito Desportivo pela Universidad de Lleida, presidente do Instituto Mineiro de Direito Desportivo e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.

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