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O ano novo e o ensinamento dos filósofos
| Foto: Gustavo Pellizzon / Agencia O Globo / Arquivo Gazeta do Povo

O ano que vem é o último da segunda década do século 21. E o Brasil, que no fim do século 20 houvera sido prenunciado como um país rico, continua pobre, corrupto, violento e negando um padrão digno de bem-estar a no mínimo um terço de sua população. Desde a euforia do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek (cujo slogan era em “50 anos em 5”), passando pela ideia do “Brasil potência” (fruto do crescimento do Produto Interno Bruto PIB à taxa média anual de 7,9% durante os anos de 1968 a 1973), a promessa era que o país adentraria o século 21 como nação desenvolvida, sem pobreza, sem miséria e com bom padrão médio de vida.

Mas, o Brasil decepcionou. Não só seguiu sem superar a pobreza, como adentrou o século 21 longe de ser desenvolvido e está terminando a segunda década deste século brandindo os mesmos problemas do atraso e da pobreza, agravados por dois males terríveis: a violência (estampada na estatística de 61.619 pessoas assassinadas só no ano de 2016 ou nas 553 mil pessoas assassinadas nos 11 anos de 2007 a 2017) e a corrupção desenfreada (em escala gigantesca e assombrosa até para os padrões das maiores corrupções mundiais).

Então, temos aí dois grandes problemas: um econômico e outro moral, além de tantos outros que também há. Nesses grandes males reside um leque de oportunidades para trabalhar, empreender e lutar por melhorias. Governo e sociedade precisam encarar nossas tragédias internas como desafios, e não perder as esperanças. Essas duas questões – a econômica e a moral – nos remetem a alguns grandes filósofos.

Em relação à corrupção, não se consegue combatê-la e diminuí-la apenas com a moral e a religião. É necessário um eficiente corpo de leis, um qualificado código penal, uma Justiça rápida e eficaz, e punição efetiva. Corrupto só se assusta diante da possibilidade de perder o patrimônio e a liberdade. No campo da moral, o filósofo Nietzsche (1844-1900) levantou a discussão quando gritou a famosa frase: “Deus está morto! Nós o matamos!”.

A frase de Nietzsche aparece pela primeira vez na obra A Gaia Ciência, 137 anos atrás, e causou uma comoção em toda a Europa, e também em outras partes do mundo. O filósofo queria dizer que a crença em Deus e a religião estavam morrendo, logo não serviam mais para responder à pergunta “que devo fazer?”, que em essência é a principal questão moral. Durante 20 séculos de Ocidente cristão, a questão “que devo fazer?” era respondida por Deus, seus mandamentos, sua igreja, seus sacerdotes, seus ritos e suas leis.

Ao dizer “Deus está morto!”, Nietzsche indagou: “E agora? Como nos consolar, a nós assassinos entre os assassinos?”, ou seja, como poderá uma moral sem Deus responder à questão “que devo fazer?”. O filósofo francês Luc Ferry (1951-), no livro Aprender a Viver, e em outros, tratou do problema moral e propôs a questão de se desistimos de Deus e da religião, então por que ser moral? Dostoiévski (1821-1881), em um de seus personagens, levanta o perigo de “se Deus não existe, tudo é permitido”.

Para Luc Ferry, o ser humano transita entre três grandes eixos. O primeiro é o eixo da teoria, e se refere à atividade intelectual, pela qual formulamos nossa concepção do mundo, da natureza e da sociedade, e tentamos saber de onde viemos, para onde vamos e por que estamos aqui. O segundo é o eixo da ética, pelo qual tentamos conhecer as regras que regem o jogo da vida, o que devemos fazer, o que devemos não fazer, e as razões que justificam um dado comportamento e não outro. O terceiro é eixo da espiritualidade, pelo qual tentamos entender a razão da existência, da dor e do sofrimento.

O filósofo André Comte-Sponville (1952-) falou do perigo de a morte social de Deus ser ao mesmo tempo a morte do espírito, e diz que o desaparecimento, pelo menos no Ocidente, de toda vida espiritual digna desse nome pode chegar ao ponto de, com o esvaziamento das igrejas, virmos a preencher nossos domingos com o shopping center. Com a morte de Deus e o abandono da religião, cairemos no perigo de, se a moral não for trazida ao primeiro plano, ter somente a oferecer aos jovens o shopping center, o consumo e a ausência de qualquer espiritualidade.

Essas questões tem a ver com a economia, a corrupção e a violência. Embora as estatísticas oficiais afirmem que o número de assassinatos no Brasil caiu 22% em 2019, o fato é que a sociedade brasileira mata com muita facilidade. Sem Deus, sem religião, sem o retorno da moral e com a diminuição do valor da vida humana, as esperanças repousarão no código penal, na Justiça e nas prisões, os quais não bastam para inibir o crime e transformar o país numa sociedade civilizada.

Se queremos uma boa agenda para o próximo ano e a próxima década, devemos eleger três prioridades: o crescimento da economia, a redução da violência e a diminuição da corrupção, sem descuidar de tantos outros problemas importantes. Esses três temas têm relação entre si, para o bem e para o mal. Feliz 2020!

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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