Iniciada em 2014, a Operação Lava Jato se tornou o maior marco do combate à corrupção em nosso país e um alento para a população brasileira, mobilizando a sociedade civil de maneira jamais vista e obrigando a classe política a assumir posições para atender ao clamor das ruas. Não é demais relembrar que a Lava Jato passou a contar com a aceitação dos tribunais superiores quando a questão já havia se tornado notável, em virtude das amplas manifestações populares favoráveis à Lava Jato, assim como em razão da maciça cobertura pela mídia da força-tarefa, mesmo diante de manifestações reticentes e críticas à atuação do juiz Sergio Moro.
Não obstante a vontade expressa do povo, o Supremo Tribunal Federal consagrou retrocesso no combate à corrupção ao decidir, em 17 de agosto último, que somente Câmaras de Vereadores poderão tornar inelegíveis prefeitos que tiveram suas contas de governo rejeitadas por Tribunais de Contas. O julgamento tinha o objetivo de esclarecer uma questão relativa à Lei da Ficha Limpa aprovada em 2010, que ampliou as hipóteses de impedimento de um político disputar eleições, pois, caso houvesse a desaprovação de suas contas de gestão por um Tribunal de Contas, a Justiça Eleitoral o considerava inelegível. Esta interpretação era dada porque a Lei da Ficha Limpa dispõe que ficam inelegíveis candidatos que tiveram suas contas reprovadas pelo órgão competente – referência clara aos Tribunais de Contas.
A população precisa ficar vigilante com todas as atitudes que venham na contramão da ética na política
Infelizmente, por maioria, os ministros do STF decidiram que, independentemente de se tratar de contas de gestão ou de governo, é necessária sempre a rejeição das contas pelas Câmaras de Vereadores (com maioria de dois terços) para tornar alguém inelegível.
Na prática, em um país onde impera um modelo de governança por cooptação, ou seja, onde presidente, governadores e prefeitos geralmente possuem a maioria legislativa em troca da distribuição de cargos e benesses, os saudáveis efeitos da Lei da Ficha Limpa correm enormes riscos. É importante mencionar a manifestação de Valdecir Pascoal, presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil: “A associação consolidou os dados, e cerca de 6 mil prefeitos [e ex-prefeitos] serão imunizados com a decisão [do STF]. E aproximadamente R$ 4 bilhões não retornarão aos cofres públicos como ressarcimento. Nós respeitamos a decisão, mas somos contra”.
Esta atitude traz a preocupação de que outras ações eticamente positivas, como a Lei Anticorrupção, também fiquem seriamente comprometidas. A este propósito, em muito espanta a recente decisão do procurador-geral da República de suspender os efeitos da delação premiada do ex-presidente da OAS. Independentemente de interpretações legais que eventualmente subsidiem tal decisão, esta suspensão no mínimo causa estranheza devido à importância do conteúdo desta delação, que compromete severamente expoentes da vida pública nacional.
A população precisa ficar vigilante com todas as atitudes que venham na contramão da ética na política, preservando iniciativas como a Operação Lava Jato e as Dez Medidas Contra a Corrupção, projeto este que precisa ser discutido e implementado. Ademais, a sociedade brasileira não pode permitir que ocorra com a Lava Jato o que houve com a Operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália nas décadas de 80 e 90 e que serviu de inspiração para a operação brasileira. Naquele país, ao fim, interesses nocivos prevaleceram sobre o que havia sido construído de positivo contra a corrupção. A evolução no combate à corrupção construída ao longo dos últimos dois anos não pode ser seriamente comprometida por entendimentos controversos da mais alta corte do país.
Por fim, a divisão harmônica dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário no Brasil exige que estes, de forma igual, prestem contas à sociedade brasileira. Acima de qualquer interpretação legal está o interesse maior da nação.
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