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Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) avançou em uma velocidade que desafia nossa capacidade de adaptação e, principalmente, de regulamentação. Se antes a IA era uma ferramenta complementar ao trabalho humano, hoje se apresenta como um agente autônomo, capaz de gerar conteúdos que, até ontem, eram exclusivos da criatividade humana. No centro desse dilema está uma questão crítica que precisa ser debatida e enfrentada: a autoria humana está ameaçada pelo crescimento desenfreado da inteligência artificial?
Não se sabe ao certo o número exato de processos judiciais relacionados à violação de direitos autorais por obras produzidas por inteligência artificial no mundo, mas o que se sabe é que esse número está em constante evolução. Esses casos refletem uma tendência crescente de litígios relacionados ao uso dessa tecnologia.
Podemos estar caminhando para um colapso da autoria humana, no qual a criação se torna um ato automatizado e o valor da expressão artística se dilui em uma matriz de repetições digitais?
Um exemplo recente dessa revolução digital pode ser visto na explosão de imagens geradas por IA no estilo das animações do Studio Ghibli. Em questão de dias, a internet foi inundada por ilustrações criadas por algoritmos, imitando com precisão o traço, a paleta de cores e até a sensibilidade artística dos mestres da animação japonesa. Essas criações, que em um primeiro momento impressionam pela “fofura” e fidelidade estética, rapidamente levantam questões que precisam ser respondidas: onde fica o direito do artista sobre sua própria arte? Em que momento ele teve a oportunidade de decidir se sua obra poderia ou não ser viralizada? E a monetização? Quem paga para quem?
A essência da criatividade humana reside na vivência, na interpretação subjetiva e singular que cada indivíduo tem do mundo e na expressão única de experiências pessoais. Ao utilizar bases de dados treinadas com obras originais sem consentimento, os algoritmos de IA não apenas replicam estilos artísticos, mas também desafiam os conceitos de propriedade intelectual e autoria. Para os artistas, isso representa não apenas uma ameaça financeira, mas também uma violação do direito de decidir como sua obra será utilizada e transformada.
Sou um entusiasta dos avanços tecnológicos e tenho convicção de que eles podem tanto impulsionar quanto precarizar determinadas profissões. Chegou o momento de fomentarmos um debate sério sobre uma regulamentação eficaz que defina os limites da IA.
Uma provocação: podemos estar caminhando para um colapso da autoria humana, no qual a criação se torna um ato automatizado e o valor da expressão artística se dilui em uma matriz de repetições digitais? Que nossa geração não trabalhe para impedir o avanço da IA, mas para garantir que ele ocorra de forma ética e equilibrada. Ferramentas tecnológicas devem existir para potencializar a criatividade humana, e não para substituí-la. O futuro da arte e da autoria depende das escolhas que fizermos agora.
Marcus Deois é publicitário, especialista em relações governamentais e sócio-diretor da Ética, consultoria política.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos