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 | Fernando Frazão/Agência Brasil;  Nelson Almeida/AFP/
| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil;  Nelson Almeida/AFP/

O Brasil está dividido. É uma guerra, em que se mata e se morre por aquilo em que se acredita. A esquerda fala do ódio da direita; a direita teve Bolsonaro esfaqueado. A esquerda fala dos fascistas que desenham suásticas e prometem morte aos homossexuais; a direita reclama das ameaças da CUT, dos fraudadores de urnas, dos que defendem o regime sanguinário de Maduro na Venezuela. Há ódio de ambos os lados, de todas as formas, no coração verde e amarelo que sangra.

O “homem cordial” que Sérgio Buarque de Holanda descreveu em Raízes do Brasil foi se enfezando. Foi deixando de ser dócil, deixando o samba, a praia, o pagode, o “meu Brasil brasileiro”, o “mulato inzoneiro”, o “bamboleio que faz gingar”. Foi ficando cansado o tal “homem cordial”: cansado do próprio “jeitinho brasileiro” que se refletiu no governo. Cansado de ser explorado, de ser pobre, de ser incompreendido, de ser injustiçado.

Foi ficando cansado o tal “homem cordial”: cansado do próprio “jeitinho brasileiro” que se refletiu no governo

Enquanto isso, o homem não mais tão cordial aprendia a usar a internet para dar voz a seus pensamentos e sentimentos, para encontrar seus semelhantes, para sentir-se mais forte. E também mais agressivo. Descobriu que havia também muita gente cansada, uma nação inteira. Brasileiros cansados de ser gentis, de ser enganados, de ter de ser alegre, e das palmeiras, do carnaval, do sabiá, das aves que aqui gorjeavam, mas já não gorjeiam mais.

O Brasil está cheio de ódio. E não é só por causa da esquerda, da direita, das eleições, do fim do ano que se aproxima, das redes sociais, da pós-modernidade. Mil vezes não. O Brasil está cheio de ódio porque se tornou infeliz e se cansou de ser assim. E pessoas feridas ferem outras pessoas.

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Leia também: Que tal concordarmos em não nos matarmos? (artigo de Bill McKibben, publicado em 22 de outubro de 2018)

Onde foi parar a mulata brilhante que dança? Até o futebol anda chato. O coqueiro não dá mais coco, o pandeiro emudeceu, a Garota de Ipanema sabe-se lá por onde anda... Talvez refugiada em outro país, como muita gente. Gente que um dia se orgulhava de cantar o Brasil em versos. Gente que fazia versos tão bonitos, vivia bonito...

Onde é que fomos parar? Esse lugar, esse medo, essa raiva que nos devora de dentro para fora é dor. Repare: dor de ser infeliz. De tanto sorriso amordaçado, que não seja chacota. Mas há esperança. Quero repetir esta bela palavra: es-pe-ran-ça, como Mario Quintana a dizia. Há esperança porque o brasileiro não desiste nunca, e isso não vai nem pode mudar. Isso será, como uma última salvação, a nossa paz.

Leila Krüger é escritora, editora e jornalista.
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