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O fato de que o Estado se ponha a definir o que é “família” sugere duas coisas: que não existe mais clareza sobre o que seja a realidade familiar; e que o Estado, na linha da concepção política moderna, se coloca como árbitro para definir o conflito em torno da noção disputada.

Como quer que seja, a realidade da família está relacionada à relação de parentesco, e a mesma só pode fundar-se numa relação estável entre um homem e uma mulher abertos à geração de novas vidas. Qualquer significado que pretenda recobrir o nome “família” não pode ignorar este fato, a não ser que se queira empregar o termo de maneira absolutamente arbitrária. A geração de novas vidas através da relação heterossexual e a transmissão dos valores culturais que se dão no âmbito aberto pela mesma são o núcleo constitutivo tanto da sociedade quanto da história.

Certamente existe, há muito, uma crise que obscurece a apreensão da realidade familiar, e a mesma tem origem em vários fatores – sobretudo na assunção do paradigma de amor romântico, na separação entre sexo e casamento e na separação entre sexo e procriação. Esta crise, ao mesmo tempo em que tira visibilidade da “família tradicional” (sic), abre espaço para o crescimento de relações alternativas, possibilitando, assim, uma disputa pelo termo “família”. É neste contexto que se há de entender a intervenção dos parlamentares, a qual se vincula à ideia moderna do Estado como árbitro dos conflitos inerentes aos relacionamentos humanos; no nosso tema concreto, ele vem reconciliar os rivais que disputam a noção de “família”.

Existe, há muito, uma crise que obscurece a apreensão da realidade familiar

Quando os parlamentares “definem” a realidade familiar, independentemente de como tomam partido, o suposto nesta atividade político-filosófica é que a família dependeria do Estado para ser o que é – ou, ainda, que o mesmo poderia recriar a realidade familiar. Contudo, embora tal realidade, como delineada acima, nem sempre ou mesmo raramente se realize de modo perfeito atualmente, o fato inegável é que a sociedade só é viável dentro das margens do modelo ideal e de uma mínima estrutura familiar. Cronologicamente, a família, como esboçada, antecede o Estado; e isso é um fato constatável, ou seja, observável, em princípio, por qualquer um, e anterior a qualquer teoria.

Há os que reclamam em nome dos supostos direitos das associações que imitam a família – mas nas quais falta o elemento essencial (a união conjugal heterossexual); estas podem encontrar amparo em outras leis que aquelas que regulam as relações familiares –como já tem sido feito (se com justiça ou não, seria assunto para outro artigo).

Fazer do Estado o árbitro supremo da realidade é ficar sem critério para reconhecer a tirania: afinal, os governantes são injustos quando não concordam com a posição do meu grupo ou quando não concordam com o que é razoável? Deixemos, pois, a César o que é de César, e aos Lares o que é dos Lares.

Joathas Soares Bello, doutor em Filosofia pela Universidade de Navarra, é professor da Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro, do Instituto Filosófico e Teológico São José do Seminário Arquidiocesano de Niterói e da Faetec-RJ.
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