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| Foto: Ibama/Fotos Públicas

Acompanhando o que já foi veiculado na imprensa sobre a tragédia em Brumadinho envolvendo o setor minerário, é oportuno estabelecermos uma correlação entre o que aconteceu no Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), antes do rompimento do complexo de barragens no Córrego do Feijão, com reflexões acerca das experiências no Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense, o Colit.

Em reunião do Copam, em dezembro do ano passado, a conselheira representante do terceiro setor, Maria Teresa Corujo alertou sobre os problemas no projeto apresentado pela Vale, que defendia a ampliação da capacidade produtiva de duas minas, entre elas, a do Córrego do Feijão. Maria Teresa, isoladamente, manifestou-se de forma contrária à concessão da licença mediante a análise procedimental, exercendo sua atribuição de conselheira.

Como em Minas, no litoral do Paraná, em acordo a esse entendimento, a representação do terceiro setor e da academia atuou com a responsabilidade esperada nas análises de inúmeros procedimentos administrativos no Colit, apontando falhas, inconsistências técnicas e processuais, bem como os impactos potenciais e as ilegalidades observadas. Em novembro de 2017, o Colit teve um pedido de vista negado por um ato combinado e truculento de representantes do governo anterior do Paraná. Mesmo sendo um direito previsto no regimento interno do conselho, a academia e entidades conservacionistas tiveram cerceado o direito de questionar os incontáveis impactos da possível instalação de uma Faixa de Infraestrutura em Pontal do Paraná. As obras incluem um porto privado feito em frente à Ilha do Mel e teriam investimento inicial de R$ 369 milhões de recursos públicos.

Necessitamos recorrer à inteligência disponível dentro do setor ambiental como prioridade política no Brasil

A constante urgência por aprovação dos processos de licenciamento impossibilitou o devido tratamento técnico e, até mesmo, o direito aos pedidos de vista do Colit que permitiriam ajustes e adequações necessárias antes da aprovação das licenças.

Independente das consequências ambientais e sociais na implantação dessas licenças, os interesses finais de obras e empreendimentos ficaram acima do mérito técnico e dos critérios legais que versam sobre o amplo e complexo campo profissional na área ambiental. Uma situação de descalabro que não pode ser desconsiderada proposital, e alcançada ao longo de poucas décadas pela apropriação de espaços pretensamente legítimos de tomada de decisão, para forjá-los aptos a deliberar sobre o futuro comum do patrimônio e qualidade ambientais e do uso do território, sem compromisso legal, técnico e moral.

O governo quer crescimento econômico, as empresas querem lucro e a população quer trabalho. Em nome dessa combinação são menosprezados riscos e impactos negativos envolvendo o licenciamento ambiental. A impressão é a de que estamos sempre apostando que “não irá acontecer conosco”. Somente quando vidas são ceifadas por tragédias como a de Brumadinho, ou Mariana, por exemplo, percebe-se que tais decisões se tornam irreversíveis. Diante das incertezas, próprias da complexidade das questões ambientais, não podemos nos dar ao luxo de apostarmos no alto risco em relação aos impactos ambientais, tal como ocorrido em Brumadinho, reduzindo-lhes a operações financeiras. Mas sim, investir esforços em evitá-los. Esta também é a atribuição de um conselho ambiental nos pedidos de licenciamento.

Opinião da Gazeta: Brumadinho, Mariana, impunidade e descaso (editorial de 28 de janeiro de 2019)

Leia também: A possibilidade de responsabilização penal em Brumadinho (artigo de Adel El Tasse, publicado em 30 de janeiro de 2019)

O enfraquecimento da participação e do controle social sobre o patrimônio ambiental e a vociferada flexibilização de licenciamentos em curso no Brasil, associados ao gradativo desmanche técnico e político dos órgãos ambientais, resultam na opção “política” pelo alto risco, levando a cenários de novas tragédias, cada vez menos improváveis.

É válido lembrar que não estamos isentos de testemunhar tragédias sociais e ambientais no contexto litorâneo paranaense, a exemplo dos dramas vividos em função dos acidentes ocorridos no início dos anos 2000: a ruptura do oleoduto Araucária-Paranaguá (Olapa), na Serra do Mar, e a explosão do navio Vicuña, no Porto de Paranaguá. A importância de conselhos como o Colit e o Copam como espaços de complementaridade e vigilância à governança mandatária se dá, também, pela diminuição dos índices de risco e de vulnerabilidade às tragédias e seus impactos sociais e ambientais.

Existe um respeitado arcabouço legal no Brasil que requer constantes avanços na definição de critérios para a avaliação de impactos ambientais, por meio de pesquisas científicas e grupos técnicos de excelência que se superponham a um mero balcão de negócios amparado por consultorias proforma, e busquem por boas práticas nos processos de licenciamento, fiscalização e resoluções específicas. Outra prioridade esquecida por uma sucessão de governos está na urgência de investimentos para recursos humanos, tecnológicos e logísticos, e na melhoria de infraestrutura das instituições ambientais, em todas as esferas federadas.

Leia também: Rompimento da barragem em Brumadinho; quando vamos aprender? (artigo de Leandre Dal Ponte, publicado em 25 de janeiro de 2019)

Leia também: A Vale privatizada e a função estatal (editorial de 29 de janeiro de 2019)

Por fim, é preciso assegurar que os órgãos colegiados de tomada de decisão na área ambiental (bacias hidrográficas, unidades de conservação, zona costeira, municípios e demais comitês) sejam fortalecidos, respeitados, compostos por paridade não forjada e sistematizados (Sisnama) dentro do pacto federativo firmado pela Constituição Federal. Necessitamos recorrer à inteligência disponível dentro do setor ambiental como prioridade política no Brasil, promovendo seu protagonismo como potência nesta temática para além de discursos, e recuperar o real interesse do Estado pela estratégia de soberania ambiental e de desenvolvimento responsável.

Dailey Fischer, Daniel Telles e Elenise Sipinski são membros do Observatório de Conservação Costeira do Paraná (OC2) e parceiros do Observatório de Justiça e Conservação.
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