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O Vice-presidente, Dom Murilo Krieger; o Presidente, Cardeal Sérgio da Rocha e o Secretário-Geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner
Foto: José Cruz/Agência Brasil| Foto: José Cruz/Agência Brasil

Recentemente, após a 57.ª Assembleia Geral da CNBB, em Aparecida, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil publicou uma “mensagem” ao povo brasileiro. Ao lê-la, fiquei em verdadeiro estado de choque. Mais uma vez, a CNBB resolveu se envolver na política brasileira, e desta vez prestando um verdadeiro desserviço ao povo brasileiro, na medida em que, visando fazer visível oposição ao governo atual, propaga confusão, equívocos, ideologias e inverdades “ao povo brasileiro”, sem contar que, além de tudo, continua calando-se vergonhosa e escandalosamente em relação à situação trágica da Venezuela. A CNBB, nesta mensagem, deixa o tradicional tom subreptício e comporta-se como verdadeiro “braço eclesiástico” de um partido político, o Partido dos Trabalhadores, na medida em que despudoradamente dá eco às suas pautas.

Um dos trechos mais escandalosos desta mensagem diz respeito à suposta adoção do liberalismo no Brasil. A CNBB fala em liberalismo exacerbado, Estado desidratado e “quase eliminado”. Quando li este trecho, perguntei-me que em que país vivem os bispos "do Brasil". Certamente, não é no Brasil, pois, se há algo que nunca aportou nestas terras foi o liberalismo, e muito menos um liberalismo “extremado”. Qualquer um que entenda um mínimo de economia e leia a Constituição Federal, em especial o título “Da Ordem Econômica e Financeira”, vai perceber que no Brasil se pratica na realidade o que se chama de economia mista, ou seja, uma economia de mercado com forte intervenção estatal, semelhante às economias da Rússia e da China. Nada há aqui que lembre economias genuinamente liberais, como os Estados Unidos, a Irlanda ou a Austrália. Como é possível chamar de "desidratado”, ou até mesmo de “quase eliminado”, um Estado que arrecada mais de R$ 1 trilhão anualmente e ainda assim precisa ir ao mercado financeiro para se financiar, tendo há vários anos déficits primários de mais de R$ 100 bilhões?

A CNBB parece ignorar que, se não for aprovada a reforma previdenciária, o Brasil recairá na recessão e a dívida pública ficará impagável

Lamentavelmente, trechos como esse me dizem que a CNBB parece não ser uma entidade séria, que os bispos do Brasil parecem não entender nada de economia e muito menos de contas públicas. Outro trecho da mensagem diz que “as necessárias reformas política, tributária e da previdência só se legitimam se feitas em vista do bem comum e com participação popular de forma a atender, em primeiro lugar, os pobres. (...) Nenhuma reforma será eticamente aceitável se lesar os mais pobres.” Como atualmente não há em tramitação no Congresso nenhuma reforma política ou tributária de peso, o trecho em questão se refere à reforma previdenciária, e a mensagem, engenhosamente subreptícia, que a CNBB passa ao povo brasileiro é a de que esta reforma da Previdência é contra os pobres e, portanto, seria ilegítima.

Pelo visto, a CNBB parece ignorar completamente o atual e crítico estado da economia brasileira, e especialmente das contas públicas da nossa nação. A CNBB parece ignorar o estado pré-falimentar da Previdência Social no Brasil, e também parece ignorar que isto se dá por uma questão estrutural: a profunda mudança demográfica pela qual vem passando o nosso país, com significativo aumento da longevidade e declínio da taxa de natalidade, o que impõe, por uma questão meramente matemática, uma necessária revisão do atual sistema previdenciário, para evitar que este vá ao colapso e todos acabem prejudicados, especialmente os mais pobres. A CNBB parece ignorar que, se não for aprovada a reforma previdenciária, o Brasil recairá na recessão, a dívida pública ficará impagável, e o governo (seja ele qual for) será obrigado a dar o calote, a ressuscitar a inflação ou a aumentar brutalmente a já bastante elevada carga tributária do país. A CNBB parece não perceber que, apesar do discurso demagógico e cheio de clichês da sua Mensagem, não está trabalhando a favor do povo brasileiro. Pelo contrário: está prestando um verdadeiro desserviço, na medida em que turva o debate público e aumenta a confusão, jogando contra o crescimento e o desenvolvimento do país.

Pedro Nery: Por que a CNBB erra sobre a reforma da Previdência (29 de março de 2019)

Leia também: Previdência: as ambiguidades do "centrão" (editorial de 4 de maio de 2019)

Os jargões e clichês ideológicos dos quais está eivada a mensagem da CNBB soam bonitos como discurso, fazem a instituição “ficar bem na fita”, mas a realidade é teimosa e insiste em mostrar que estas ideologias, de cunho socializante, se revelam impraticáveis, pelas limitações impostas pela própria realidade e pela própria natureza humana. Além disso, é escandaloso que a CNBB defenda medidas que já foram testadas e reprovadas, não somente no leste europeu, na antiga União Soviética e em diversas ditaduras africanas, como Somália, Etiópia, Angola e Guiné Equatorial, mas aqui mesmo, na América Latina. Basta pensarmos na presença triunfalista de Hugo Chávez no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2001, e olharmos o estado trágico para o qual a ideologia do “socialismo do século 21” levou a Venezuela, com 94% da população abaixo da linha de pobreza, com pessoas bebendo esgoto e comendo lixo em pleno centro da capital, Caracas. Basta olharmos a crise interminável a que o kirchnerismo alinhado ao chavismo levou a Argentina; e basta olharmos aqui mesmo, no Brasil, para vermos o maior esquema de corrupção da história da humanidade, montado pelo Partido dos Trabalhadores para se perpetuar no poder, e vermos também o verdadeiro “buraco negro” econômico ao qual fomos levados, por incompetência, ignorância e ideologia. Lutamos até hoje para sair deste fundo do poço de mais de 13 milhões de desempregados e quase 30 milhões de pessoas subaproveitadas, entre desempregados, subempregados e desalentados. Este estado de coisas ao qual chegamos se deve inteiramente à adoção de ideologias que a CNBB, com verdadeiro odor de naftalina, insiste em defender.

Não pretendo que nenhum bispo entenda de economia e nem de contas públicas. Porém, se a CNBB não entende de economia, nem da situação catastrófica das nossas contas públicas, como parece não entender, não deveria se intrometer na política defendendo teses fraudulentas e amplamente negadas pela realidade dos fatos. Num tempo como o nosso, em que grassam o niilismo e o relativismo, em que crescem absurdamente entre os jovens o suicídio, a desesperança, o cinismo e os transtornos como depressão, pânico e ansiedade, em vez de defender teses ideológicas e equivocadas, a CNBB deveria fazer o seu papel e dar assistência espiritual ao povo brasileiro: pregar o Evangelho, levar esperança às pessoas e afirmar que, apesar desta mentalidade hedonista, imediatista e niilista que nos rodeia, há sentido nesta vida. Muitas pessoas vão à igreja em busca de uma palavra de consolo e de esperança, num clima social árido e niilista; mas, em vez disso, encontram pregação política e, muitas vezes, até político-partidária. Agindo da maneira como age, o que a CNBB consegue é espantar as pessoas da Igreja Católica, contribuindo para o aumento do número de evangélicos e agnósticos em nosso país, bem como para o aumento de consultas psicológicas, do consumo de psicofármacos e de drogas ilícitas, bem como para o aumento na procura por novas seitas e gurus, muitos deles charlatões que vivem da credulidade alheia.

Dimitri Martins, mestre em Administração pela UFBA e especialista em Gestão Pública pela Enap, é analista de Políticas Sociais no Ministério da Economia.

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