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O diabo veste Prada – e o empresário também
| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

A criação do Grupo de Altos Estudos do Trabalho (Gaet) no âmbito da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e a possibilidade de uma nova reforma trabalhista já provocaram comentários de “especialistas” na pauta trabalhista. Os mesmos especialistas que enchiam a barriga burocratizando as relações de trabalho e silenciando diante da alta taxa de desemprego que assolou o Brasil nos últimos seis anos. Aqueles que manipulavam o povo para acreditarem que o Estado, o juiz trabalhista e os sindicatos são os únicos capazes de resolver os seus problemas empregatícios – na velha máxima da concepção social-democrata de emprego: o Estado há de nos alimentar até o fim da vida.

O fato de muitos brasileiros ainda não assimilarem os benefícios de um sistema regido pelo individualismo metodológico pode ser esclarecido se explorarmos alguns dos objetivos de estudo deste seleto grupo criado por meio da Portaria 1.001/2019. Diferentemente do que grupos sindicalistas e outros segmentos “progressistas” têm acusado, a nova reforma está buscando a efetivação da segurança jurídica. Assim como encontraremos a busca pela eficiência do mercado de trabalho, também temos um grupo dedicado à formulação de ideias que garantam tratamento específico para insalubridade e periculosidade, regras de notificação de acidentes de trabalho; e nexo técnico epidemiológico, entre outros itens do inciso III do artigo 3.º da portaria.

Tratar das liberdades públicas e privadas é uma questão de epistemologia do conhecimento – essencial para a ciência e para a economia, um pilar que sustenta as relações de pesquisa, e as relações sociais. Michael Polanyi afirma que “minha argumentação pela liberdade da ciência guarda semelhança próxima com a doutrina clássica do individualismo econômico. Os cientistas do mundo são vistos como uma equipe que se propõe a explorar as oportunidades abertas para descobertas, e alega-se que seus esforços só serão eficientemente coordenados se – e apenas se – for permitido que cada um deles siga suas próprias inclinações”.

Assim como Polanyi reconhece que a liberdade científica é tão importante quanto a liberdade econômica, defender a existência e os objetivos do Gaet é essencial para a economia brasileira. Na verdade, defender os princípios que regem a nova reforma trabalhista serve para refinar a filosofia de vida de todos os brasileiros. Polanyi defende a liberdade no trabalho científico, elencando-a como pilar essencial para a pureza da ciência – fato este importante para aplicarmos na metodologia das relações de trabalho: “na grande batalha por nossa civilização, a ciência ocupa setor importante da linha de frente. No movimento que está minando a posição da ciência pura, vejo um destacamento de forças atacando toda a nossa civilização. Já disse que essas forças incorporam alguns dos mais empreendedores e generosos sentimentos da atualidade – o que, ao meu ver, as torna ainda mais perigosas. [...] A sabedoria fácil do pessimista moderno, que destrói a orientação espiritual do homem e desencadeia tanto entusiasmo sem tutela, já nos custou demais”.

Pois este mesmo movimento que mina a pureza da ciência, bem como a flexibilidade, a dinamicidade e a liberdade para priorizar e escolher o que deseja pesquisar, é o mesmo movimento que mina a fluidez das relações de trabalho: o excesso de requisitos criados por parte de um conjunto de leis, além de um arcabouço de decisões que desfavoreçam o empresário, são alguns meios que têm caráter semelhante ao escárnio que macula a pureza da ciência.

Um dos mecanismos mais fortes que enrijecem este processo de rotulação uniforme das ideias está no engajamento linguístico: a figura do empregador como uma representação universal do homem rico, com notas de dinheiro em torno do paletó e um peso para colocar nas costas de cada “infeliz” que for o seu empregado.

Quantas pessoas têm dificuldade de investir na matéria prima para produzir seus bolos? Ou para custear seus micro-ônibus? Donos de mercearias? Os vendedores de salada de fruta? O pequeno empresário paga o preço de uma rotulação injusta: ele não tem liberdade para crescer e contratar, os encargos trabalhistas são altos demais. E os grandes empresários? Têm limitado seu poder de empregar. A primeira crise econômica que venha a assolar o país põe em xeque uma altíssima quantidade de empregos em multinacionais. O motivo? A criação de um canal de dependência entre bem-estar governamental e bem-estar privado.

Assim como a ideia de uma ciência a serviço de um Estado mata o compromisso que o saber demanda para com a verdade e os fatos, quando a lógica do trabalho é submetida ao Estado social, em uma configuração projetada para práticas comunistas, temos um sistema de geração de empregos falido, trabalhadores dependentes e desamparados ao mesmo tempo, e um congelamento da evolução do mercado que reverbera na inviabilização do consumo, lentidão na produção e uma população sem acesso a produtos melhores.

A proposta de estudar a “simplificação e desburocratização de normas legais” está ligada ao que Ludwig von Mises compreende como lógica do mercado: todos são iguais quando estamos tratando de sistema mercadológico, fato este que acaba com o mito de que temos patrões malvados e empregados oprimidos. Quando dificultamos a situação do empregador, dificultamos mais ainda a vida do empregado e de quem vai consumir o produto – hipótese em que o empregado também se encaixa. Mises explica, em Ação humana: “Ora, produtores e consumidores são a mesma pessoa. A produção e o consumo são fases diferentes da ação. Quando fala de produtores e consumidores, a cataláxia corporifica essas diferenças. Mas, na realidade, são a mesma pessoa. É certamente possível proteger um produto menos eficiente contra a competição de outros mais eficientes. Tal privilégio concede ao privilegiado os benefícios que o mercado livre só concede a alguém que consiga atender melhor aos desejos dos consumidores. [...] todos são prejudicados porque, se os homens mais eficientes forem impedidos de empregar seu talento naqueles setores onde possam prestar o melhor serviço ao consumidor, a produção diminui”.

A relação de trabalho é a nascente do rio que desemboca no comércio e no consumo. Quando o produtor é prejudicado pelo impedimento de contratação devido ao excesso de requisitos, todos saem perdendo. Este é o primeiro motivo. O segundo motivo é que ninguém melhor do que o próprio candidato a uma vaga de emprego para escolher o emprego da forma que mais lhe apraz, ou da maneira que melhor atenda suas urgências e necessidades. Os trabalhadores estão preocupados em suprir as necessidades de suas famílias e de crescer economicamente segundo seus esforços e méritos. A promessa de que uma política de desvalorização do empregador resolveria algo caiu por terra, porque são mitos. Continuo com Mises: “segundo esses mitos, o homem contemporâneo já não estaria mais motivado pelo desejo de melhorar seu bem-estar material e de elevar o seu padrão de vida. Os economistas que afirmassem o contrário estariam equivocados. O homem moderno daria prioridade a coisas ‘não econômicas’ ou ‘não racionais’ e estaria disposto a renunciar ao bem-estar material em favor de aspirações ‘ideais’. Seria um grave erro, no qual incidem frequentemente os economistas e empresários, interpretar os eventos do nosso tempo a partir de um ponto de vista ‘econômico’ e criticar as ideologias em voga, apontando seus equívocos econômicos”.

Acreditando nesses mitos, o trabalhador também estaciona nas asas do Poder Judiciário, como se as medidas legais fossem mais lucrativas que uma contratação livre e desonerada. A realidade mostra o contrário: o excesso de judicialização das relações de trabalho desestimula o empregador a gerar novos empregos, causa traumas e só legitima indenizações solúveis e incapazes de sustentar alguém no longo prazo.

Se o modelo de governo e estrutura trabalhista fosse tão bom quanto se alega, não teríamos 11,8 milhões de desempregados. Acomodar-se no erro engessa a capacidade criativa. São vários empreendedores adormecidos pelo sistema legal e tributário que desfavorece o pequeno empresário e, como consequência, refreia os empregos no Brasil. Precisamos de reformas no direito do trabalho, sem esquecer das reformas no Judiciário trabalhista e a desmobilização das ideologias que o permeiam.

Até quando ouviremos empresários se lamentarem por terem o dom do empreendedorismo? Ou pior: até quando ouviremos empreendedores dizendo que não empreendem por causa da insegurança jurídica do direito trabalhista brasileiro, incertezas causadas pela legislação, mas também pelas lentes de muitos magistrados trabalhistas que enxergam o empreendedor como um monstro, um diabo? O diabo veste Prada e o empresário também.

Thiago Rafael Vieira, advogado pós-graduado em Direito do Estado e em Estado Constitucional e Liberdade Religiosa, é presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião. Jean Marques Regina, advogado pós-graduado em Estado Constitucional e Liberdade Religiosa, é segundo vice-presidente do IBDR.

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