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 | Felipe Lima
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A greve é um instituto de Direito do Trabalho garantido a partir do artigo 9º do texto constitucional, que dá aos trabalhadores o direito de exercê-lo. Em 1989, a Lei 7.783 regulamentou o exercício desse direito. Pela lei, o direito de deflagração de toda paralisação é dado exclusivamente a partir da vontade dos trabalhadores. Um requisito essencial, presente no artigo 4º, é o de que a greve seja precedida de assembleia organizada por sindicatos de categorias profissionais com o objetivo de decidir pela paralisação. Caso essa seja a decisão, a entidade sindical deve comunicar a entidade sindical patronal ou os empregadores sobre a paralisação com 48 horas de antecedência – ou 72 horas, no caso de serviços essenciais que afetam a coletividade, como hospitais, limpeza pública e transporte coletivo.

As centrais sindicais são entes jurídicos criados pela Lei 11.648, de 2008, e têm como funções básicas coordenar a representação dos trabalhadores por meio das organizações sindicais a elas filiadas (entenda-se aí os sindicatos, federações e confederações) e participar de negociações em fóruns, colegiados de órgãos públicos e espaços de diálogo social em que se discutam assuntos de interesse geral dos trabalhadores.

Nas letras estritas da lei, as centrais sindicais não detêm capacidade jurídica de propor paralisação dos trabalhadores. Essa competência é dos trabalhadores, exercida após assembleia convocada pelos sindicatos que os representam e dentro de sua jurisdição de atuação. Ora, se os atos normativos estabelecem requisitos, em não sendo cumpridos, a greve é ilegal e assim a Justiça do Trabalho vem entendendo em suas decisões. Ou seja, a deflagração da greve não pode ser gerada de ato sem amparo legal nem tampouco prejudicar o empregador e a sociedade.

A “greve geral contra a reforma da Previdência” vem sendo convocada por quem não tem aptidão jurídica para tal

No caso da deflagração da “greve geral contra a reforma da Previdência” que as centrais sindicais estão convocando por redes sociais, sob qualquer hipótese se pode enquadrá-la como um ato legal. Ela vem sendo convocada por quem não tem aptidão jurídica para tal e sem a necessária manifestação de vontade e consentimento dos trabalhadores, em assembleia.

O ato para o qual os trabalhadores estão sendo chamados, além de afrontar a Lei de Greve, deve ser tratado como mera paralisação de dia de trabalho e como tal deve ser visto no âmbito do Direito do Trabalho. Da forma como se apresenta, ele gera, como consequência, a autorização aos empregadores de descontarem o dia não trabalhado e mais os valores correspondentes ao descanso remunerado da semana da falta. Isso quer dizer que, aderindo à paralisação, o trabalhador terá dois dias sem salário no mês de fevereiro, de acordo com a Lei 605/49.

Mas não é só. A Lei de Greve veda a possibilidade de dispensa em caso de greve legal. Entretanto, no caso da greve geral proposta, ante a ilegalidade convocatória, nada obsta ao empregador dispensar o empregado faltoso que lhe gerou prejuízo naquele dia.

Este tipo de paralisação tem conotação eminentemente política, não tendo o fito de manifestação contra ato do empregador em prejuízo ao empregado, como seria o caso de greve por atrasos de salários ou falta de pagamentos de horas extras, ou pelo descumprimento de norma coletiva vigente e de interesse da categoria. Esta seria uma greve legal, cumpridos os requisitos.

Não se trata, aqui, de fazer juízo de valor sobre a manifestação ou a reforma da Previdência, mas de oferecer uma análise jurídica para noticiar ao trabalhador sobre os riscos que pode ter, posto que a forma de convocação lhe trará, no mínimo, prejuízo financeiro.

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Mas há mais reflexos que não se pode encobrir, posto que paralisações dessa natureza e na forma como são iniciadas normalmente não terminam bem. O que se tem visto é que a paralisação que seria pacífica gera danos sociais, prejuízos ao erário e ao empreendedor privado, ante a selvageria urbana que acaba se impondo para “demonstrar descontentamento”.

A greve geral, como proposta, fere o acesso ao transporte coletivo, ao atendimento de saúde pública e às escolas, além de impedir aquele que quer ir trabalhar de fazê-lo, pois fica desprovido dos meios mais básicos de transporte público. A greve geral tolhe o direito mais básico do cidadão, que é o de ir e vir – ou seja, promove dano coletivo.

Enfim, “greve geral” não é greve, posto que esta é um direito do trabalhador a lutar por estar acometido de afronta a direitos seus praticada pelo seu empregador. A greve geral é uma manifestação de caráter coletivo, mas sem aparato legal, podendo gerar danos ao trabalhador que, ingênuo ou desatento, se vê envolvido pela sedução de resolver algo que talvez nem lhe cause males.

Por certo, as centrais sindicais, dentro das funções que a lei lhes confere, deveriam sentar-se de forma adequada com os representantes do Estado e dialogar, apresentar propostas legítimas de atendimento dos interesses do trabalhador. Paralisar regiões do país por um dia nada resolve, pois não mostra força, nem tampouco inteligência.

Roberto André Oresten, advogado trabalhista e advogado do Estado do Paraná, é professor de Direito do Trabalho da PUCPR.
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