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O domínio da linguagem a serviço da manipulação ideológica
| Foto: Luisella Planeta Leoni/Pixabay

Dominar a linguagem é o caminho mais fácil e fértil para controlar a consciência e a percepção da realidade dos indivíduos. Ela é o recurso usado para influenciar, ser influenciado e facilitar o acesso às nossas mentes e corações. Por isso, todos os movimentos ideológicos buscam trilhar nesta direção para condicionar nossos pensamentos e juízos. Manipulam e corrompem a linguagem porque é por meio dela que está a interpretação da verdade.

Na abertura da sua obra Política, o filósofo Aristóteles comenta que a linguagem é o que nos diferencia dos animais. Ela é a matéria-prima para as três operações da inteligência: apreensão por meio dos cinco sentidos, julgamento das percepções e raciocínio em busca da verdade. Segundo o consagrado pensador grego, é por meio da palavra que é possível inteligir acerca do bem e mal, do justo e injusto; valores que vão nortear nossas ações na vida em sociedade.

A linguagem, nesse sentido, é compreendida como uma força que impacta o nosso nível de consciência e conduz-nos a determinados pensamentos. Então, a palavra, oral e escrita, e os aspectos psicológicos inseridos nesse ambiente fazem o trânsito para a nossa racionalidade. Logo, todos os processos cognitivos começam pela linguagem e geram o convencimento de determinadas verdades.

Mas como entendemos a verdade? Para São Tomás de Aquino, ela é a adequação do intelecto às realidades observadas e apreendidas. O sequestro da linguagem realizado pelas ideologias acontece especialmente neste momento. Quando tudo que ouvimos, lemos e vemos – ou seja, a percepção da realidade – é influenciado por uma narrativa e um discurso único, conseguimos enxergar apenas um fragmento da verdade. Os filtros ideológicos, então, cegam o intelecto – que, segundo São Tomás, tem a capacidade de ver a essência das coisas –, transformando a verdade em uma bela caricatura.

Como o contato que as pessoas têm com a realidade é mediado, em grande parte, pelos instrumentos culturais, especialmente pelos veículos de comunicação de massa, a verdade se torna o que é narrado por esses instrumentos. E os movimentos ideológicos, percebendo isso, ocuparam silenciosamente esses atores culturais: o jornalismo, o cinema, a literatura, a educação, dentre outros.

Apesar de se apresentarem como democráticos e plurais, todos esses atores sociais propagam um mesmo olhar sobre a realidade. O itinerário “progressista”, que tem sua raiz no marxismo, é o que sustenta as narrativas desses influenciadores. Quem nunca se perguntou por que os jornais têm uma mesma abordagem sobre determinados assuntos polêmicos, como aborto e união homossexual, ou o motivo de as universidades, especialmente as federais, exaltarem discursos de revolução cultural e sexual e desprezarem aspectos que saiam desta fronteira ideológica?

Para entender como o domínio da linguagem acontece na prática, basta fazer uma leitura simples do cenário político do país. Estamos em uma pandemia, com uma quantidade de óbitos que grita todos os dias aos nossos ouvidos. Um problema epidemiológico que tem um impacto social e um grande peso emocional. Aproveitando o ambiente sensível, os atores culturais constroem narrativas e clichês para conduzir o imaginário coletivo a determinadas conclusões. Surgem daí rótulos como “genocida” e “negacionista”.

O atual presidente do país não é “genocida” devido às mortes causadas pela Covid-19. Esse termo é descolado da realidade. Caso, hipoteticamente, ele tenha cometido equívocos (o que não está em discussão aqui), os óbitos são resultado de uma série de fatores pelos quais todos os países estão passando, em maior ou menor grau. Este é um discurso fantasioso e qualquer pessoa honesta intelectualmente percebe que isso é uma construção esquizofrênica da realidade.

Já o termo “negacionista” foi cunhado mais como uma narrativa de uso político do que como representação de comportamentos. No centro do assunto está uma tentativa de cercear opiniões e ridicularizar vozes que questionam posicionamentos de uma ala da ciência que se arroga exclusiva e inquestionável. A questão é que a grande maioria das pessoas bem intencionadas não nega a ciência, mas questiona determinações de uma parte da comunidade científica que influenciam toda a nossa vida social.

É no mínimo razoável que um assunto complexo, novo, com impacto em vários setores, deva ser interrogado. Até porque instituições como a Organização Mundial de Saúde (OMS) sugerem a cada dia algo diferente e muitas vezes contraditório; e pesquisas sobre tratamento e restrições sociais têm resultados divergentes. Por isso, nada é tão confiável neste cenário que não possa ser indagado.

Apesar de serem fantasiosos, esses dois termos foram criados artificialmente e possuem significado na imaginação das pessoas. Assim, maculam a racionalidade do indivíduo por não serem reflexo da realidade, potencializando reações muito mais emotivas que intelectivas. Essas e outras expressões, como “fascista moderno” e “manifestações antidemocráticas”, são usadas para conduzir nossos pensamentos a uma direção que convirja para certos interesses ideológicos e políticos.

Por mais que a mídia tradicional ou os outros atores culturais estejam perdendo aos poucos o protagonismo na formação das impressões que a sociedade tem do real, uma linguagem falaciosa, apresentada de uma maneira rebuscada ou atraente, é capaz de enganar e de fazer com que a percepção da verdade seja parcial, simplista e o pior: falsa em muitas situações. Por isso tornar a linguagem verossimilhante do real é o desafio daqueles que buscam romper com a engrenagem manipuladora das ideologias.

Thiago Lagares é jornalista.

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