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 | Robson Vilalba
| Foto: Robson Vilalba

Em 1862, o alagoano Aureliano Cândido de Tavares Bastos, um dos precursores do federalismo brasileiro, já defendia a abertura da navegação de cabotagem a embarcações estrangeiras. Na época, apenas navios da bandeira brasileira poderiam transitar por aqui.

Ao olharmos a história, percebe-se que, em nosso país, as coisas não costumam mudar muito. No início desse ano de 2017, estávamos discutindo se permitiríamos que companhias aéreas estrangeiras operassem aqui. Não foi permitido, e a desculpa é a mesma: medo irracional.

A tecnologia avança: do barco a vapor ao avião a jato; mas o ranço nacionalista – exagerado e desproporcional – permanece em nossa cultura. Continuamos com os mesmos medos, parece.

Recentemente, voltaram-se os holofotes à questão da aquisição de terras por estrangeiros, como noticiaram diversos veículos de imprensa no decorrer do primeiro semestre desse ano. Por trás de alguns sustos iniciais, no entanto, o que se encontra é bastante desinformação quanto ao assunto.

Não será por essa via que a “segurança nacional” ou a “integridade do território brasileiro” estará ameaçada

Alguns falam em “liberar” a venda de terras a estrangeiros, como se atualmente isso fosse proibido. Parece até que, com a medida, estrangeiros poderão chegar ao país, fincar bandeira e pronto, a terra será deles. No país da burocracia e das regulamentações, em que 12 milhões de pessoas vivem em moradias irregulares, como alguém pode achar que alguma coisa seria fácil assim?

Um dos temores que circundam o projeto é o arcaico sentimento de que o Brasil está sendo “vendido” ou “entregue” às corporações internacionais. O velho medo do investimento externo, do comércio e da aproximação internacionais. O Brasil teima em se isolar comercialmente.

Estudando a proposta, verifica-se que a medida não oferece o temido risco à soberania nacional. Segundo dados oficiais, replicados exaustivamente em diversos veículos, “estrangeiros são proprietários de 4,3 milhões de hectares no Brasil”. Verdade. O número pode parecer assustador ao leitor desavisado, mas isso corresponde a míseros 0,47% do território nacional! Para comparação, terras indígenas constituem 13% do território, e as terras públicas (estatais) amontoam inacreditáveis 47% de toda a extensão do país, segundo levantamento do site Nexo. Em meio a tudo isso, temos 175,9 milhões de hectares de área rural improdutiva.

Os perigos do projeto: A agricultura familiar ameaçada (artigo de Rafaella Nogaroli) 

Ao contrário do que argumentam alguns de seus críticos, a proposta, na verdade, cria restrições à compra de imóveis em área relevante à segurança nacional, que precisará de autorização do Conselho Nacional de Segurança, além de proibir a alienação ou doação de terras públicas aos estrangeiros.

Ressalto aos temerosos que os monopólios estatais continuam “protegidos” (infelizmente), assim como as intervenções estatais na propriedade privada, como a desapropriação e a requisição administrativa, por exemplo. Vê-se que o projeto não protege o estrangeiro do poder público, não vai criar um “Brasil paralelo”, forasteiro, sobre o qual o governo brasileiro não teria controle. O pânico é exagero e desinformação. No fim das contas, o que a proposta diz é que hoje o estrangeiro pode comprar um pedaço de terra no Brasil; amanhã poderá comprar um pedaço de terra maior.

Não será por essa via que a “segurança nacional” ou a “integridade do território brasileiro” estará ameaçada. Podem até existir outras ameaças, mas essa proposta não é uma delas.

Guilherme Dourado Aragão Sá Araujo é mestre em Direito Constitucional.
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