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 | Lineu Filho/Gazeta do Povo
| Foto: Lineu Filho/Gazeta do Povo

Recentemente vi uma reportagem na TV que mostrava o excesso de chuvas no norte do país. Cenas semelhantes as reportagens de dez, vinte, trinta anos atrás. Se pegassem uma filmagem dos arquivos, provavelmente ninguém notaria a diferença. Regiões de um país distante e ainda isolado, abandonado e de negligenciada importância.

Um dos focos da reportagem foi a dificuldade de escoamento da safra para o porto de Itaqui, no Maranhão. As chuvas terminam por maltratar o que resta de alguns trechos das estradas. Castigadas, as mesmas se tornam intransitáveis ou dificultam ao extremo o transporte dos grãos para um crescente e importante porto para destinos como América e Europa. Lama, buracos e crateras, ausência de sinalização e assaltos constantes, são muitos os ingredientes para quem tenta escoar boa parte dos produtos resultantes do setor com único PIB positivo nos últimos três anos. Uma vergonha. Nas imagens, os caminhões pareciam serpentes pendendo hora para um lado, hora para outro.

As cargas ficam por vezes dezenas de dias sem condições de armazenagem

Além da falta de condições mínimas para os profissionais que conduzem os caminhões, as cargas ficam por vezes dezenas de dias sem condições de armazenagem, fermentando, sob altas temperaturas e umidade, presas em dezenas de quilômetros de filas. Joga-se fora todo o trabalho de produção, seleção e armazenagem feito pelo produtor ou cooperativas. Além disso, são despejadas aos montes nas vias, no que resta dos acostamentos ou coisa que o valha.

O pesquisador e engenheiro agrônomo Thiago Péra, em sua dissertação de mestrado ligada à Esalq, evidenciou que as perdas de grãos de soja e milho no Brasil, em transportes ou armazenagens, desde as fazendas até os centros consumidores e portos, passando por ferrovias e hidrovias, representaram em 2015 cerca de 2,381 milhões de toneladas, à época, 1,303% da produção. Isso representou, naquele ano, um prejuízo de 2,04 bilhões de reais, decorrentes de custos de oportunidades com vendas perdidas e gastos desnecessários.

Talvez aplicar a mesma proporção para os níveis de produção atuais, seja precipitado e não científico como fez o Sr. Péra. Mas de qualquer forma, nos dá uma boa noção do quanto o Brasil perderá na safra 17/18. Para a safra estimada, o país deverá jogar no lixo 2,99 milhões de toneladas de grãos, ou 2,56 bilhões de reais. Muito. Considerando que um frango consegue converter 1,8 kg de ração em 1 kg de carne, perdemos a oportunidade de gerar, em uma conta bem grosseira, cerca de 1,5 bilhão de quilos de carne.

Leia também: A vocação portuária do litoral paranaense (artigo de Osvaldo Agripino de Castro Junior, publicado em 22 de maio de 2018)

Opinião da Gazeta: Oportunidade perdida (editorial de 24 de maio de 2018)

Os motivos que levam às perdas? Vários. Segundo Péra, do total das perdas logísticas, o maior percentual está na armazenagem inadequada (67,2%). Mas as perdas nos transportes rodoviários representam cerca de 13,3%, terminais portuários mais 9%, transporte multimodal ferroviário outros 8,8% e o multimodal hidroviário 1,7%. E não estão concentradas em região específica. Os problemas são praticamente os mesmos do norte ao sul, do leste ao oeste. Falta infraestrutura básica de transportes e transbordos adequados.

Iniciativas isoladas de cooperativas e produtores têm colocado muitos quilômetros de asfalto em estradas rurais Brasil afora. Isso já tem ajudado, e esperar o governo ter iniciativa própria não tem sido um bom caminho. Quando faz é uma iniciativa público-privada. Empresas que apostaram em transporte hidroviário estão crescendo como nunca. Mas há muito ainda a ser feito, pois além de dar condições às consolidadas áreas produtoras, há que preparar as novas fronteiras agrícolas para a inevitável expansão do celeiro do mundo. Há de se dar condições de armazenamento e escoamento para que seja possível alimentar o mundo. Os fantasmas da ineficiência não podem continuar a roubar os alimentos. Será que não estamos evoluídos o suficiente para minimizarmos as perdas em todo o fluxo?

Com um terço dos alimentos do mundo sendo desperdiçados e tanta gente passando fome, fica difícil de entender por que se investe tanto na produção, em novas tecnologias e em novas fronteiras agrícolas, se há a incapacidade de gerenciar o escoamento e a correta distribuição de tudo que é produzido.

Eduardo Müller Saboia, técnico e engenheiro industrial mecânico, pós-graduado em Gestão Industrial e Business Management e mestre em Administração Estratégica, trabalha na indústria de maquinários agrícolas e é professor de pós-graduação em Agricultura 4.0 na UFPR.
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