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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Escrevo essas linhas antes do resultado das urnas deste domingo. Não obstante, uma coisa já é inegável: Jair Bolsonaro é um fenômeno de popularidade e surpreendeu a quase todos, em especial o establishment. Entender como isso foi possível é o objetivo aqui. Como foi que um simples deputado do Rio se tornou o “exército de um homem só” contra tantos partidos poderosos?

O feito não é trivial. A decisão do Supremo de vetar financiamento de empresas concentrou quase todos os recursos no Fundo Partidário e no fundo eleitoral, uma estatização da política que encheu os cofres dos caciques com mais de R$ 3 bilhões. Isso sem falar do caixa dois, lembrando que Palocci confessou que o PT torrou R$ 1,4 bilhão para eleger Dilma, quase tudo por fora.

Bolsonaro, no minúsculo PSL, teve de se virar praticamente sem recursos. Contava com o apoio voluntário nas redes sociais, lotava aeroportos e despertou uma militância aguerrida alimentada por puro patriotismo. Ligava seu celular com conexão 4G, porém, e fazia uma live com mais de 200 mil pessoas acompanhando. Quem precisa da tevê na era moderna?

A cada instante algum formador de opinião previa que Bolsonaro iria “desidratar” quando a máquina de moer fosse colocada contra ele. Tempo de televisão, Fundo Partidário, cabos eleitorais, movimentos “espontâneos” liderados por artistas e a imprensa – claro, a imprensa – metendo o pau nele dia e noite. Mas o teto era móvel, e ele continuou subindo nas pesquisas. Apesar de tudo. Por causa de tudo!

José Dirceu, que fala demais por arrogância, chegou a declarar o real intuito: tomar o poder, independentemente do resultado eleitoral

E eis aqui o xis da questão: Bolsonaro se tornou o candidato “antifrágil” por representar justamente o combate a esse establishment, ao politicamente correto, a essa mídia enviesada e torcedora, que vem aliviando para o PT desde sempre, enquanto retrata o capitão como basicamente um novo Hitler. Ele é um outsider nesse aspecto, e a população percebe as manipulações, as deturpações, as mentiras e exageros.

Enquanto os jornalistas chamam o que os criminosos do MST fazem de “ocupação”, eufemismo para invasão, lá está Bolsonaro a dar nome aos bois: são terroristas! E os produtores rurais devem ter o direito de se armar para se defender, completa. Alguém fica mesmo surpreso com o apoio que vem recebendo do agronegócio?

As feministas radicais, que não dão um pio sobre o machismo grosseiro de Lula ou as supostas agressões de Freixo denunciadas pela ex-mulher, tomam as ruas para gritar #EleNão, ignorando que isso significa, na prática, defender a volta do PT e de Lula. Segundo pesquisas, mais de 60% do público presente nessas manifestações era simpático ao PT ou ao PSol. Alguém fica surpreso com o efeito bumerangue dessa militância hipócrita, levando logo depois a um aumento de seis pontos porcentuais nas intenções de voto de Bolsonaro?

Vários articulistas tentaram pintar Fernando Haddad como alguém pragmático e moderado, enquanto sobravam rótulos terríveis para Bolsonaro: machista, homofóbico, racista, fascista. Haddad, por outro lado, virou um intelectual prudente. Textos e mais textos sobre como Bolsonaro representava uma ameaça à nossa democracia, escritos por gente que fingia ter hibernado nas últimas décadas, não ter conhecimento do que o PT tentou fazer, de seu projeto oficial golpista, de sua defesa do modelo venezuelano.

Leia também: Bolsonaro sempre foi favorito, os egos é que não enxergaram (artigo de Victor Marschall Ferreira, publicado em 3 de outubro de 2018)

Leia também: Compromisso com a democracia (editorial de 2 de outubro de 2018)

José Dirceu, que fala demais por arrogância, chegou a declarar o real intuito: tomar o poder, independentemente do resultado eleitoral. Haddad mesmo falou em nova Constituinte, e todos sabem que Lula quer vingança contra a Justiça e se arrepende de não ter avançado mais no bolivarianismo, especialmente no controle da imprensa. Alguém surpreso com a reação do público ao ver essa defesa canalha do PT como salvador da nossa democracia?

E aqui temos o maior trunfo político de Bolsonaro, além de ser visto como honesto e firme contra a bandidagem: seu antipetismo. A eleição caminhou para uma espécie de plebiscito sobre o lulopetismo, com ajuda da mídia e dos institutos de pesquisa, que insistiram em colocar Lula, um bandido preso e condenado, como líder das pesquisas durante um bom tempo. O perigo crescente da volta do PT e do que isso significa, isto é, a transformação do Brasil numa Venezuela, foi o principal ativo eleitoral de Bolsonaro.

Antigamente esse sentimento era capturado pelos tucanos, mas a postura do PSDB impediu a continuação desse jogo fácil. Os tucanos nunca foram oposição real ao PT. São esquerdistas também, ainda que mais moderados. Vieram de origem parecida, como socialistas fabianos. E FHC, o líder tucano, demonstrou desde o começo mais medo da “onda conservadora” que da possibilidade de volta do PT. A população não é idiota: entendeu que não precisa mais ser refém dos tucanos, esquerdistas engomadinhos, socialistas com perfume francês. Há agora uma alternativa à direita, de fato.

Francisco Escorsim: “Eu odeio Bolsonaro, mas meu voto é dele” (publicado em 5 de outubro de 2018)

Leia também: A demonização do voto útil (editorial de 23 de setembro de 2018)

Enfim, esse foi o caldo cultural que explica o sucesso de Bolsonaro, de forma resumida. A elite se aprisionou numa bolha cognitiva “progressista”, confundindo o Leblon e a Vila Madalena com o Brasil. Suas pautas, como legalização de drogas e aborto, casamento gay ou ideologia de gênero, não falavam aos brasileiros comuns, interessados em segurança, emprego, saneamento básico e ensino de qualidade, em vez de doutrinação ideológica. O esgarçamento dos valores morais foi a gota d’água: o Brasil petista virou uma baixaria constante, e é preciso resgatar um comportamento mais ético.

Enquanto mais de 60 mil pessoas eram mortas por ano, a elite “descolada” repetia que o marginal é uma “vítima da sociedade” e demandava leis ainda mais restritas ao direito individual de se armar como legítima defesa, apesar de plebiscito que mostrou o desejo contrário do povo. Alguém surpreso com a popularidade do gesto de Bolsonaro ao imitar uma arma com a mão?

Para concluir, não sei ainda o resultado final do pleito, mas já é possível fazer uma análise mais detalhada do fenômeno Bolsonaro. Esses fatores abordados aqui foram apontados meses, anos atrás. Mas a elite ignorou todos os alertas, pois estava fechada em sua bolha. É o que dá ter um mapa de fundo totalmente equivocado, fruto de uma torcida ideológica, não de uma análise independente. Foi assim com Trump também, mas essa turma nunca aprende...

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
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