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O ilusionista – Escritos místicos-filosóficos I
| Foto: Pixabay

Que sei eu do inesperado, diferente olhar do outro quando por algum motivo ele descobre em mim alguém que não conhecia… que talvez nem eu perceba?” Lya Luft

A ideia que nos foi passada é que temos algo a obter, algo a conseguir, algo a conquistar. Fomos condicionados a acreditar nessa ideia, a vincular nosso pensamento a ela. Esse pensar parece incompleto para nós, existe algo maior, mais além, mais profundo para ser realizado e alcançado. Como se fosse possível sair deste momento para realizar algo mais importante; o chegar lá.

Nosso treinamento básico foi para estruturar a crença em um mundo externo que é longe e diverso de nós. O dualismo. Nossa confusão está centrada nesta crença, o que nos dá a noção de um determinado momento que está fora do momento. A noção de espaço emerge da ideia de que coisas são segmentadas, de que eu sou apartado daquilo que tenho para alcançar. Então, o tempo aparece, emerge e com ele surge este espaço, o tempo-espaço. É aqui justamente onde localizamos nossa vida. A vida da consciência. Não nos foi anunciado isto, pois, é uma herança do re-conhecimento universal. Não nos contaram que este tempo-espaço é criado pela consciência. Ele é criado pelas imagens que o pensamento estrutura dentro das nossas cabeças. Essa questão nos indica o quanto temos para realizar. Muito o que conquistar. Realizações e conquistas que estão do lado de fora e para chegar lá precisamos de tempo, pois há todo um espaço a ser percorrido. Espaço de “ponta a ponta” requer tempo. Para sair de um canto até o outro canto de uma sala, é preciso tempo. Para o deslocamento entre uma cidade e outra, é preciso tempo. Para concretizar realizações, precisamos tempo. Realizações nas dimensões afetiva, emocional e espiritual demandam tempo. E, ao final, há a liberação do tempo e consequentemente do espaço, com a percepção do maravilhoso que indica o todo pela parte. No entanto, para este percurso há a necessidade de tempo. O nosso condicionamento é este.

Quando você encontra o maravilhoso e percebe a incessante Poiētica do real, esse momento não é um momento no tempo, não é um momento da completude, não é um momento da totalidade, não é um momento onde não há nada para alcançar, nada para realizar, nada para obter. Este momento contém o fim do tempo, contém o fim do espaço. Esta noção que você tem desde a infância, de que tudo está incompleto para se realizar, é tão somente parte do condicionamento. Condicionamento que inclui o próprio self, incompleto que quer se realizar.

Olhar, ouvir e sentir. Estar no agora é estar completo. Permanecer no aqui-agora sem imaginações. Contudo, sem imaginação não há futuro. Sem lembranças não há passado. Pensamento só é possível se você pensa, ou se acredita ao pensar. Este momento é completo sem pensamento. Sem pensamento não há tempo, não há espaço. Tudo é amor, indescritível e singular: amor; quando não há tempo. Quando não há espaço-tempo, quando não há pensamento, quando não há lembranças ou imaginações, tudo é amor.

Amor significa o aqui, tudo pronto, nada faltando, nada incompleto. Nada para obter, nada para realizar, nada para alcançar. Portanto, é uma questão de liberar e ou suspender a ilusão. A ilusão de poder realizar algo. É necessário compreender não as palavras, não a decodificação linguística do que ocorre, mas o signo e significado que não podem ser explicados e descritos. É possível a compreensão de forma direta do significado do amor que é tudo isso. Que é o momento completo. A sua objeção é o que você acredita estar vendo. Você acredita estar vendo que não há amor. Você acredita que está vendo algo completamente diferente do que estou escrevendo. Você acredita que tudo está inacabado e incompleto. No lugar de “tudo é amor” você só vê conflito, ódio desespero e sofrimento. E eu afirmo que esta é a visão do pensamento. O pensamento que vê o bem e o mal. O pensamento que vê o positivo e o negativo, a saúde e a doença, o nascer e o morrer como algo real e antagônico. A saúde tem que prevalecer para que não aconteça a morte.

A morte tem que ser vencida pela vida. Você vive no campo de batalha onde a luz combate as trevas. O mundo da dualidade. O mundo onde tudo está apartado, segmentado. Apartado do tempo-espaço que é compreendido e explicado pelo pensamento. Quando você está lá, você não está aqui. Quando você está lá no tempo e no espaço, está nas motivações que a pessoa conhece. A pessoa é o sentido de um “eu” no presente nas tentativas de realização. À busca de livrar-se do passado para obter algo mais seguro no futuro. Então, nos encontramos em algum ponto por aqui. Onde não há amor, paz, verdade e felicidade.

Eu volto a dizer: tudo é amor. Tudo está completo. Não há paz para ser alcançada. Pois a paz está presente no que está completo. A liberdade está presente. A felicidade está neste ouvir e neste olhar. No sentir a totalidade, a não segmentação, o não conflito entre os pares opostos desse momento.

Aqui se trata não da mudança do pensar, mas do permanecer livre do pensador. Livre do pensador, o pensamento perde a importância. Quando o pensamento não é importante, o significado que a consciência aplica na vida também não é mais importante. O real se mostra através da vida como a vida é.

A vida é felicidade, liberdade e paz. A vida mistura-se com a mente que é a própria realidade. A vida é ser. Está completa neste instante. Não precisa de você para realizar. Seu desafio é ouvir o som do trovão. Ouvir os pássaros cantando. Ouvir a voz humana. Ouvir choro de uma criança. Seu desafio é observar um pensamento sem aquele que irá pensar sobre isto. Seu desafio é ser o que você é aqui e agora. Não se distanciando do que se apresenta através do pensamento. Através desta leitura que a consciência entinta o tudo. Criando esta ilusão da separação. Criando esta ilusão de tempo, de espaço e de dualidade, de conflito entre opostos. Este fundo de condicionamento geram hábitos e crenças que precisam ser investigadas e abandonadas. A alegria de estar no ser, com o olhar do maravilhoso, é a alegria do que você é sem qualquer ideia sobre isso. Sem qualquer outra ambição. Portanto, sem qualquer outro movimento. No movimento ilusório que cria tempo e espaço. A iluminação da Poiēsis não está dentro deste circuito, dentro deste movimento que o pensamento é especialista. A Poiēsis atuante é desbaratar o tempo, driblar o espaço. Fim do tempo e do espaço é o fim do futuro e do passado deste alguém, que assim, pode ir para algum outro lugar. O ser é a realidade presente. Isso é você, na sua natureza verdadeira.

Inegavelmente não conseguimos ensinar o ato do amar. Mas, conseguimos sim mostrar o que é o amor. Pare de ver coisas nesse amor que você é. O amor não te ama. A compaixão não tem piedade de você. O amor te revela a verdade do amor, dessa inteligência que você é. Precisamos constatar o amor que somos. Explorar toda essa questão. Não há ação de um que dá e outro que recebe, de um que pede e de outro que concede. Tudo isso está na ilusão. Na ilusão do conhecido e do entendimento. Não está na inteligência, no desconhecido, no inominável e na indescritível presença. A desidentificação das relações não irá lhe matar, mas sim, lhe revelar que somos vida em abundância. Vida além das aparências fenomenológicas. Além das visões de “patos selvagens voando para longe”. Não tem nada indo para longe. Tudo é aproximação.

A compreensão é a natureza da inteligência. Quando há compreensão o silêncio se instala. Olhe para a realidade que não está no tempo e no espaço, que não está nas limitações das aparências sensoriais. Desta forma estará no âmago do entendimento e este peso que diversas vezes sentimos quando nos aproximamos da vida se dará não mais pelo que acontece, mas sim, pelo modo que a sua aproximação acontece. O pensamento traduz isso, ele interpreta isso. O peso não está na vida. O peso está no pensamento pensando; a própria consciência. Esse sonho de vida é um peso porque não acontece como desejamos. É um peso porque acontece simplesmente. Desejar e não acontecer é um peso. Nada que acontece que você não deseja fica a contento. Assim, a vida é vista com um grande peso. Não está exatamente no que acontece, ou parece estar acontecendo. Está na sua forma particular de aproximação. O trabalho Poiētico é descobrir que sem a consciência que forma a subjetividade nos encontramos diante de um belo mistério. É o que a vida é: um belo mistério!

A consciência sempre está traduzindo o que acontece neste momento com esse fundo de conhecimento e experiência, esse fundo de desejo. A natureza da consciência é insatisfação, conflito e sofrimento. Quando falo de consciência, não estou falando de algo abstrato. Falo do sentido de alguém que você carrega. Este sentido “de alguém” está isolado do contexto da vida. Seu modelo de ver o próprio contexto é o modelo do pensamento. Esse modelo de pensamento é justamente o peso, a luta. Porque a consciência carrega este conflito, este medo, ela nunca lhe permite “ser natural”. Ser natural é aceitar o que é. É aceitar o que vem e o que vai sem ser dilacerado pela ilusão e o ilusionista que a consciência é. Aceitar a vida, abraçar a vida e acolher a vida com a própria vida sem se separar dela. Fazer isso é ser capaz de estar neste mistério com a inteireza do ser. Este mistério é o re-conhecimento da mente presente.

A mente não está apartada. Ela, como sua natureza Real, é a própria vida. O peso desta aproximação é o modelo do pensamento, é o modelo da imaginação, é o modelo desta suposta pessoa, desta suposta entidade, desse suposto indivíduo presente. Permanecer significa não ter esse sentido de alguém sem essa comparação e rejeição desse suposto alguém. Então tudo se desvela como o sonho do Real, onde você não aparece. Onde você não aparece não há consciência, portanto, não há conflito. Então, não há luta, mais sim leveza, graciosidade, liberdade e paz. Essa presença tem a liberdade de ser o que ela é, com a sua natureza real sendo a própria vida!

Luís Gustavo Severiano é filósofo autoral e fundador do Pensamento Poiético. Escreveu quatro livros.

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