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Desde pelo menos a Guerra do Vietnã, o Pentágono e os órgãos de inteligência militar americanos perceberam que não travam apenas uma guerra no campo de batalha: sempre terçam armas também na imprensa, em solo natal, a cada vez que se embarafustam em uma empreitada polêmica longe de casa.

Tal subconflito foi chamado de infowar, a guerra de narrativas do que acontece na política de um país. Desde que Locke e a Revolução Francesa formaram o conceito de “opinion publique” como o eixo de sustentação de um governo, as relações entre o que é feito num país e a forma como tais feitos são narrados se transformou, normalmente tornando-se mais obscura e até mesmo promíscua.

No cenário brasileiro atual, há mais de um ano que o povo ventila a ideia de a presidente Dilma Rousseff sofrer um impeachment – pressentimento já anterior à sua reeleição (hoje mesmo, a desculpa do PT para segurar o processo é admitir os crimes, mas afirmar que ocorreram ainda no primeiro mandato). Entretanto, a imprensa é a primeira a afirmar que o impeachment reflete tão somente os desejos maquiavélicos de Eduardo Cunha – narrativa que “pega”, fazendo com que a classe falante e a classe não investigadora (usualmente, amalgamados na mesma classe) repitam o pastiche como uma verdade revelada.

A briga no jornalismo agora é a da verdade contra o sentimentalismo momentâneo

Mesmo veículos internacionais respeitados, como as britânicas The Economist e BBC, quase repetiram a esparrela, ainda que demonstrando surpresa por ser um parlamentar investigado pela Polícia Federal a iniciar o processo de impeachment – o que pode ser explicado tanto pelo costume britânico de ter alguma ética e homens honrados no Parlamento quanto pela acídia de correspondentes internacionais contaminados pelos próprios jornais brasileiros. É a chamada “autofagia jornalística”, denunciada por Rolf Kuntz.

Ora, enquanto uma parcela imensa da população brasileira já pensava em impeachment (a reeleição de Dilma foi a mais apertada da história, numa eleição com sete viradas), Eduardo Cunha pedia votos para ela. Simplesmente 17 pedidos de impeachment foram aventados na Câmara, e Cunha aceitou apenas o último. Milhões de pessoas (muito mais do que qualquer instituto de pesquisa afirma, em mais uma demonstração de infowar) foram às ruas para pedir o afastamento da presidente, enquanto Cunha ainda era praticamente o líder do governo.

Assim se tentou costurar no imaginário coletivo brasileiro a visão de que Cunha era “o líder da oposição”, e que o povo marchava sob suas ordens, como se o rabo balançasse o cachorro. Como se alguém ainda precisasse descobrir que seu suposto líder é um ladrão – e, de quebra, salvaguardar as negociatas de Dilma que envolvem cifras entre bilhões e trilhões, tratando todos como iguais.

Notícias e mais notícias pululam nos jornais, hoje, com assuntos para desviar a atenção do principal fato do país. Opiniões do palpitariado comprado por Rouanet são tratadas como fatos. Petistas dos mais radicais são chamados pela imprensa de “especialistas” ao tentar fazer propaganda travestida de “análise”.

Isso é feito para direcionar os sentimentos da população, e não suas faculdades de raciocínio. É a infowar em marcha. As menções a Cunha no noticiário tinham caído 30% assim que ele começou a costurar um acordo com o governo.

Contudo, 66% dos brasileiros desejam o impeachment. É o que se tenta mudar a qualquer custo. A briga no jornalismo agora é a da verdade contra o sentimentalismo momentâneo. Mas, com uma imprensa que depende tanto do BNDES, a verdade pode ser enterrada sob o peso do Partido-Estado.

Flavio Morgenstern, analista político e escritor, é autor de “Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs”.
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