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Ilustração: Felipe Lima
Ilustração: Felipe Lima| Foto:

É inevitável que medidas que envolvam mudanças nas políticas públicas em saúde mental sejam acompanhadas de controvérsias. Com a Lei 13.840 não foi diferente: a pauta agora é a intenção involuntária de dependentes químicos.

A internação involuntária já era prevista em lei desde 2001 e, assim como na maior parte do mundo, utilizada em clínicas públicas e privadas. O que a nova legislação faz é regulamentar de forma mais precisa essa prática: é necessário que um responsável legal, preferencialmente um familiar, solicite por escrito o internamento; que ele seja realizado em ambiente hospitalar adequado; estipula-se um prazo máximo de 90 dias de internamento; e determina-se que cada caso será avaliado criteriosamente por um médico em sua admissão, podendo ou não acatar a solicitação.

É esperado que este internamento inicialmente involuntário passe a ser voluntário

Indicar internação involuntária sempre será uma medida drástica, mas necessária em determinados cenários: um paciente com dependência grave, em que a permanência do uso da substância acarrete riscos importantes ao próprio paciente e/ou a terceiros e que, em virtude do seu estado mental comprometido, tenha sua capacidade de tomada de decisões marcadamente prejudicada.

Mas espera-se que, uma vez internado e desintoxicado, a pessoa recupere suas capacidades mentais o mais breve possível. Dessa forma, também é esperado que este internamento inicialmente involuntário passe a ser voluntário. Essa é uma das metas inicias das equipes de saúde que trabalham com dependência química, para que assim o paciente participe efetivamente das atividades terapêuticas que serão realizadas durante o internamento. Nos tratamentos de dependência química, essa conversão é essencial e pouco adianta um internamento involuntário de longo prazo.

A fase crucial, porém, vem logo após a alta, quando a pessoa voltará a ser exposta aos gatilhos da recaída e passará a ter acesso ao consumo da substância. Para ele, será preciso pôr em prática todos os mecanismos que o ajudam a permanecer abstinente, tudo que foi aprendido durante o internamento e, então, prosseguir com o tratamento já reinserido em seu meio social.

Leia também: Sobram motivos para rejeitar a internação involuntária (artigo de Gabriel Schulman, advogado e doutor em Direito, professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo)

Há décadas a psiquiatria entende e estuda a dependência química como uma doença real, dando a ela um olhar de saúde, e não um aspecto moral. Ela também defende que sempre é preferível que pessoas sejam convencidas (não coagidas) a buscar tratamento, e que o mesmo seja realizado em ambientes não hospitalares e nos demais equipamentos de saúde disponíveis. Porém, pela complexidade e gravidade de vários casos de dependência, em algumas situações trata-se de um cenário impraticável.

Cabe aí o dilema essencial: devemos fechar os olhos e deixar essas pessoas sucumbirem à doença, mesmo sabendo dos riscos envolvidos e que ela não está em suas capacidades mentais adequadas? Ou devemos prover uma chance de tratamento, mesmo que inicialmente contra a sua vontade? Pode ser polêmico, mas não há nada de desumano na segunda opção: não se trata de uma política higienista, tampouco será a principal ação na complexa rede de saúde necessária para tratamento em saúde mental.

Marcelo Daudt Von der Heyde é vice-presidente da Capital da Associação Paranaense de Psiquiatria (APPSIQ), preceptor da residência médica em Psiquiatria do Hospital de Clínicas (HC-UFPR) e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

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