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| Foto: Nelson Almeida/AFP

O terror tem o poder de nos marcar, independentemente das motivações. O que importa é o resultado: sempre lembraremos do 11 de setembro, sempre lembraremos de Brumadinho e sempre nos lembraremos do sequestro da menina Eloá. Eventos diferentes, mas que marcam. Esse é o poder do terror: marcar a nossa mente com memórias assustadoras. Nessa mesma toada, é quase que desnecessário – também por ser muito doloroso – rememorar os acontecimentos aterrorizantes que ocorreram em Suzano, município da Região Metropolitana de São Paulo, no dia 13 de março.

Um adolescente e um outro homem, ambos encapuzados, adentraram a Escola Estadual Professor Raul Brasil e, armados com um revólver, uma besta, um arco, flechas e, aparentemente, coquetéis molotov, mataram cinco adolescentes (estudantes) e dois funcionários da escola, matando-se na sequência, vitimando antes um comerciante da região. Ao total, já são dez mortes contabilizadas no ataque (entre elas, as dos agentes do crime) e 11 feridos, quase todos estudantes.

Delitos desta magnitude e violência, como não poderia ser diferente, sempre chocam a sociedade

Como todo fato de repercussão nacional e mundial, de pronto foi demandada uma resposta, tanto social como judicial, para o lastimável evento. Desta maneira, como passo seguinte, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de São Paulo anunciou que, ainda naquela quarta-feira, dia 13, um Procedimento Investigatório Criminal havia sido instaurado para investigar o ocorrido. Segundo o órgão, o objetivo da investigação seria apurar se alguma organização criminosa teria colaborado com os eventos no intuito de cometer crimes relacionados com o chamado “terrorismo doméstico”, como apontariam alguns indícios preliminares. Em suma, caberá ao Gaeco verificar, de forma imparcial, se no caso concreto, além do terror, houve um ato de terrorismo – e considera-se como “terrorismo doméstico”, em brevíssimas linhas, um ato terrorista em que o cidadão que o comete atenta contra o seu próprio povo ou o seu próprio governo.

Não há como negar que é importante conferir uma resposta a acontecimentos como o de Suzano. Contudo, igualmente importante é que a resposta seja juridicamente certa e adequada, até mesmo para que não reste frustrado o objetivo do processo que busca apurar a verdade dos fatos e atribuir a resolução cabível.

Antes de adentrar em uma análise mais detida do tipo penal do crime de terrorismo, é indispensável registrar que esta opinião se dá com base nas informações atuais, não podendo, eventualmente e futuramente, ser lida de maneira anacrônica. O artigo 2.º da Lei 13.260/2016, conhecida como “Lei Antiterrorismo”, tipifica, no Brasil, o crime de terrorismo. Da leitura deste artigo conseguimos extrair que, para que uma conduta seja juridicamente considerada como terrorismo, é necessária a presença de três elementos, considerados como um tripé; faltando qualquer um dos “apoios”, pode-se até falar em outro crime, mas não em crime de terrorismo. É necessário, portanto, que exista: 1. um ato terrorista; 2. uma motivação terrorista; e 3. uma finalidade terrorista.

Opinião da Gazeta: A tragédia de Suzano e as famílias fragmentadas (editorial de 14 de março de 2019)

Leia também: O terrorismo e a luta do bem contra o mal (artigo de Alexandre Nigri, publicado em 30 de julho de 2017)

Os atos terroristas estão capitulados nos incisos do § 1.º do artigo 2.º da Lei Antiterrorismo. De uma simples leitura, podemos perceber que o inciso V, que fala em “atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa”, se adequa perfeitamente ao caso concreto. Contudo, como ressaltamos acima, é necessário que os três “apoios” do tripé estejam presentes. E, passando ao segundo elemento – a motivação terrorista –, de acordo com o caput do artigo 2º, a conduta deve ser motivada “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. No caso concreto, analisando crítica e criteriosamente, ao menos dos elementos já sabidos e respeitada a sensibilidade da questão – que demandará profundas investigações –, não parece que o crime tenha sido motivado por quaisquer destas razões.

Agora, a problemática verdadeiramente se instaura quando investigada a presença do terceiro elemento, a finalidade terrorista, que, novamente nos termos do caput do artigo 2º, deve ser de “provocar terror social ou generalizado”. Neste ponto, um comentário é de suma importância: para que a conduta seja considerada terrorismo, é necessário que a vontade do agente (em termos jurídicos, o dolo ou, mais ainda, o dolo específico) seja de provocar terror social ou generalizado como produto de seus atos. Não é bastante que, por consequência e por fatores alheios à vontade do agente, os seus atos causem terror social ou generalizado. Delitos desta magnitude e violência, como não poderia ser diferente, sempre chocam a sociedade. Mas, juridicamente, isso não é o bastante. É necessário que a vontade do(s) autor(es) tenha sido especificamente esta. Se o crime, por exemplo, foi motivado por questões pessoais de bullying, desafetos pessoais ou a vontade única de terminar a vida das vítimas, ainda que em massa e com métodos vis e violentos, não há de se falar de terrorismo.

Nossas convicções: O valor da família

Leia também: Terrorismo e a lei brasileira (artigo de Débora Veneral e Caroline Cordeiro, publicado em 4 de agosto de 2016)

Novamente, é importante conferir uma resposta para estas condutas tidas como criminosas. Contudo, além de uma necessária crítica (acadêmica e/ou legislativa) da Lei Antiterrorismo, é indispensável que os atuais operadores e aplicadores desta lei não a utilizem para tão somente acalentar os ânimos aflorados, mas que cumpram suas funções com a técnica que demanda a sensibilidade do tipo penal e das circunstâncias do fato.

Já existem elevadas penas para crimes graves (como o homicídio, por exemplo), com possibilidade de grandes aumentos (como concurso formal ou concurso material, concurso de agentes, qualificadores do delito de homicídio, demais circunstâncias judiciais, entre outras). O tipo penal do terrorismo somente deve ser utilizado quando, de fato, a conduta tecnicamente se enquadrar como terrorismo, sob pena de malversação (inclusive política), punição indevida e, sobretudo, de banalização de um crime de matriz, cometimento e consequências tão sensíveis.

Lucas Teider, advogado e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e do Instituto dos Profissionais de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (IPLD), é mestrando em Direito Econômico e Desenvolvimento na PUCPR, onde estuda o terrorismo e o seu financiamento. Edgard Rocha, advogado, é membro da diretoria do IPLD.
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