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Quando Guerreiro Ramos e Charles Handy diziam que as "economias de mercado" haviam transbordado para se transformarem em "sociedades regidas pelo mercado", muitos economistas e sociólogos consideraram que isso era um exagero alarmista. Dois fatos que estão nos jornais desta semana mostram que nada havia de exagerado no alerta deles.

Primeiro, essa inacreditável Lei Geral da Copa, testemunho fiel de que, nestas úmidas plagas, como diria Fabio Campana, quem manda mesmo é o mercado de cervejas e os burocratas do ludopédio instalados na Fifa, uma organização privada que tem mais poderes que um Estado nacional. Como é que um país digno desse nome aceita desrespeitar suas próprias leis para se adequar aos interesses comerciais de uma sociedade privada? Como é que um país digno desse nome aceita fazer planos e projetos para satisfazer, exclusivamente, os interesses e as idiossincrasias de uma entidade comercial? Como é que... Vamos parar, pois há muitos "comos" a ser explicados, todos difíceis de ser entendidos.

Mas vamos lá, Brasil, somos suficientemente ricos para enterrar R$ 40 bilhões em uma competição esportiva enquanto 11% da população convive com esgoto a céu aberto e 90% não contam com uma escola infantil, nem com um serviço de saúde decente. Falta de discernimento de nossas elites? Dificilmente. R$ 40 bilhões, somados ao potencial de receita da Copa, estão fazendo muita gente salivar antecipadamente. Essa "gente" tem outro nome difuso: o "mercado".

A segunda notícia: a Gazeta do Povo informou que a Linha Verde depende da venda de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) para ser completada. Em outras palavras, distraído leitor, a atual lei de zoneamento estabelece limites de ocupação e de gabarito nas diversas regiões da cidade. Esses limites supostamente obedecem a critérios técnicos de densidade populacional, geração de tráfego, lixo, poluição hídrica e aérea, etc. Porém, se você comprar um Cepac, a prefeitura jogará no lixo todos esses supostos critérios técnicos para deixar que os incorporadores imobiliários construam novos espigões onde eles não eram permitidos. Quem viver verá a Linha Verde transformada numa nova Ecoville nos próximos anos.

É uma pena, porque Curitiba está necessitando urgentemente repensar todo o seu urbanismo. Já não faz mais sentido (se é que algum dia fez) obrigar uma boa parte dos habitantes a cruzar a cidade inteira para chegar ao seu local de trabalho, e de novo para voltar para casa. Duas, três horas da vida de um trabalhador são surrupiadas a cada dia por causa dessa distorção. Em uma época em que as tecnologias produtivas estão se alterando, privilegiando as indústrias limpas e as pequenas e médias escalas em vez das grandes fábricas; e, ao mesmo tempo, com métodos de controle da poluição cada vez mais aperfeiçoados, está na hora de repensar integralmente a funcionalidade da cidade para restaurar a real qualidade de vida de seus habitantes. A Linha Verde, ainda ladeada por amplos espaços livres e quase-livres, era uma oportunidade para colocar esse repensamento em ação. Não será mais.

E, de cambulhada, devemos sepultar essa ideia anacrônica de que estamos à frente em termos de planejamento urbano. Já estivemos no passado, mas atualmente essa é uma velha mentira, que, de tão repetida, acabou sendo aceita como verdade.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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