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Ministro Luis Roberto Barroso
Ministro do STF, Luis Roberto Barroso.| Foto: Divulgação/TSE

Em meio à pandemia de Covid-19, o Supremo Tribunal Federal (STF), em mais uma demonstração de ativismo judicial, resolveu pautar, em plenário virtual, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.581, que trata do aborto em caso de microcefalia. Para compreender melhor como a nossa suprema corte tem utilizado o ativismo judicial como meio para implantar sorrateiramente a cultura da morte no Brasil é imperioso fazermos uma breve retrospectiva.

Em 12 de abril de 2012, o STF julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, que decidiu por despenalizar o aborto em caso de gestação de fetos anencéfalos, abrindo triste precedente e passando a fomentar o chamado ativismo judicial, fazendo as vezes de legislador positivo e disciplinando matérias de competência exclusiva do Poder Legislativo, qual seja, elaborar leis, a exemplo do ocorrido mais recentemente com a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, mecanismo utilizado para instituir crime sem prévia cominação legal, em mais uma clara e gravíssima afronta ao comando constitucional.

Já no ano de 2016, foi ajuizada a ADI 5.581 – intentada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) –, e que tinha por objeto o reconhecimento da suposta omissão das políticas públicas quanto à “interrupção de gravidez” (eufemismo para aborto) no caso de mulheres infectadas por zika vírus.

No mesmo ano, por ocasião de um habeas corpus (HC 124.306/RJ), em sede de controle de constitucionalidade incidental, a Primeira Turma do STF, com base no voto proferido pelo ministro Luís Roberto Barroso, entendeu ser inconstitucional a proibição do aborto no primeiro trimestre da gravidez. Em seu voto, o ministro Barroso, lançando uma semente e pavimentando o caminho da cultura da morte, defendeu a tese de que “a interrupção voluntária da gravidez no primeiro trimestre não constitui crime de aborto”, uma vez que, segundo seu posicionamento pessoal e completamente descolado da realidade biológica, até a 12.ª semana de gestação não existiria vida, portanto, não havia que se falar em crime.

Tal semente plantada por Barroso foi colhida pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSol) em 2017, oportunidade na qual foi ajuizada a ADPF 442, arguindo a inconstitucionalidade do Código Penal no que tange à criminalização do aborto no primeiro trimestre de gestação, com base nos mesmos motivos expostos no HC 124.306/RJ.

No Brasil, como ocorreu anteriormente nos Estados Unidos, notadamente no caso Roe v. Wade, em que se legalizou o aborto em razão de uma decisão ativista da Suprema Corte norte-americana, há uma forte tendência ao ativismo judicial, que vem a ser a usurpação de competência levada a efeito pelos ministros do STF. Em virtude deste famigerado ativismo, o Supremo acaba arrogando para si matérias sociais relevantes que competem estritamente ao parlamento, que representa a vontade popular, que é soberana. Temas como aborto, ideologia de gênero, casamento entre pessoas do mesmo sexo e legalização das drogas, não raras vezes, têm sido pautados no STF, sendo que deveriam ser debatidos no Congresso Nacional, tendo em vista ser lá o espaço democrático pertinente para essas temáticas.

Sendo assim, o que se percebe é que uma simples decisão – até mesmo monocrática – de um ministro parece ter muito mais peso do que todos os 594 congressistas (513 deputados federais e 81 senadores) que foram eleitos democraticamente pelo povo. Onze ministros de uma suprema corte têm mais poder que todos os integrantes dos demais poderes juntos. Eis o grave problema do ativismo judicial.

E, como se não bastasse, ainda temos uma suprema corte que se presta ao papel de ser a “ponta de lança” do processo revolucionário, utilizando o ativismo judicial como recurso para a implementação da cultura da morte na Terra de Santa Cruz. No tocante ao assassinato intrauterino, resta evidente que este tem sido um dos principais temas defendidos e capitaneados pelo STF, mormente pelo ministro Barroso.

Levando-se em conta que o ativismo judicial fere de morte o princípio da separação dos poderes consagrado no artigo 2.º da Constituição Federal, além de afrontar o princípio democrático de forma insofismável, qualquer tentativa de discussão acerca do aborto, por exemplo, deveria dar-se na arena de debates do parlamento, haja vista que uma decisão do STF sobre o assunto não representa a voz do povo brasileiro, majoritariamente contrário a este crime tão hediondo.

Contudo, ignorando solenemente os princípios constitucionais que são o sustentáculo do próprio Estado Democrático de Direito, no dia 30 de abril de 2020, último dia de julgamento da ADI 5.581, o ministro Luís Roberto Barroso proferiu o seu voto acompanhando a relatora Carmen Lúcia, que julgou prejudicada a referida ação, porém com ressalvas. O objetivo do presente artigo é contrapor todos os argumentos do ministro Barroso colacionados em seu voto. Para tanto, vamos trazer à baila o inteiro teor do voto em questão, porém, de forma separada, a fim de que a cada argumento possamos apresentar a devida contraposição.

No início de seu voto, o ministro Barroso apresenta o seguinte argumento: “Diante da maioria que já se formou no plenário virtual pela existência de óbice processual ao seguimento de ambas as ações, não manifestarei divergência. Faço, porém, uma ressalva e uma reflexão, na forma a seguir”. Ab initio, faz-se mister ressaltar que decisão judicial não é o ambiente adequado para se fazer “reflexões filosóficas” ou elucubrações inoportunas à margem do julgamento da causa, sob pena de se ferir o princípio da economia processual. Se o excelentíssimo ministro deseja “filosofar” e apresentar reflexões, que o faça em um lugar propício, como em algum meio de comunicação pertinente e que seja de sua responsabilidade pessoal, e não em uma decisão judicial que deve ser imparcial.

O artigo 8.º do Código de Ética da Magistratura Nacional preconiza que: “o magistrado imparcialé aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”. Desta feita, é de curial sabença que o magistrado deve proferir sua decisão com isenção e respeitando a distância justa e equivalente das partes litigantes.

Em igual sentido, a imparcialidade do magistrado é uma evidente garantia de justiça para as partes e o Estado-juiz, que reservou para si o exercício da função jurisdicional, tem o condão de agir sempre com a máxima isenção na solução de cada lide.

Sem prejuízo, é notório que as “reflexões e ressalvas” realizadas pelo ministro Barroso em seu voto demonstram um claro julgamento antecipado para os casos de aborto, em especial no que se refere à ADPF 442, cujos argumentos utilizados são exatamente os mesmos semeados pelo referido ministro no julgamento do HC 124.306 conforme já exposto.

É de clareza solar que o voto do ministro Barroso denota uma flagrante parcialidade no julgamento, motivo pelo qual o mínimo que se esperaria, se realmente ainda há alguma esperança de que a suprema corte tenha algum apreço pela verdadeira observância da Carta Magna de 1988, é que este ministro se declarasse suspeito, com fulcro no artigo 145, IV do novo Código de Processo Civil, para julgar a ADPF 442, posto que suas convicções pessoais e ideológicas já demonstraram estar acima da Lei Maior.

Na segunda parte de seu voto, o ministro Barroso argumenta sobre seu posicionamento de que a Anadep seria parte legítima para compor o polo ativo da ADI 5.581: “Ressalvo, em primeiro lugar, meu entendimento de que a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos – Anadep tem legitimidade ativa para ajuizamento da ADPF. Aplico, a propósito, o precedente do Plenário na ADI 3.691-AgR, em que se reconheceu que a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho – Anamatra tem legitimidade para questionar normas que afetam interesses de trabalhadores celetistas. Pela mesma lógica, deve a Anadep ter direito de questionar normas que afetam os interesses de pessoas hipossuficientes, que sentem, de forma mais acentuada, os impactos tanto da epidemia do zika vírus quanto da criminalização da interrupção da gestação. Em ambos os casos, os interessados não integram as associações, mas são o objeto de sua atuação profissional”.

Tal argumento, com todas as vênias, também não se sustenta. Considerando o teor de seu Estatuto, por não prever a possibilidade de ajuizamento de ações de controle abstrato de constitucionalidade em benefício de pessoas em situação de vulnerabilidade, mas tão somente por constar como um de seus objetivos institucionais a defesa da categoria representada, ou seja, os defensores públicos ativos ou aposentados, a associação não teria legitimidade para propor uma ADPF ou ADI nos moldes da ADI 5.581, a qual, além de visar a declaração de inconstitucionalidade, era cumulada com arguição de descumprimento de preceito fundamental. Portanto, a ilegitimidade ativa era mais do que evidente, o que, em questão preliminar, já afastaria qualquer possibilidade de prosseguir com a ADI 5.581.

Por essa razão, a relatora Carmen Lúcia proferiu seu voto, de forma estritamente técnica, julgando prejudicada a ADI 5.581 em virtude da perda de objeto da ação e da falta de legitimidade da entidade autora no caso. Frise-se que não houve apreciação do mérito da matéria por parte dos demais ministros, que somente acompanharam o voto técnico da relatora.

Todavia, como o ministro Barroso acompanhou a relatora com ressalvas, importante se faz esclarecer que, de um modo ou de outro, ele já deixou mais do que claro – em diversas ocasiões – qual será seu posicionamento nas próximas ações que versarem sobre essa temática.

No ponto 3 da fundamentação de seu voto, o citado ministro assevera: “Por outro lado, a extinção das ações adia a discussão de um tema que as principais supremas cortes e tribunais constitucionais do mundo em algum momento já enfrentaram: o tratamento constitucional e legal a ser dado à interrupção de gestação, aos direitos fundamentais da mulher e à proteção jurídica do feto. A reflexão que se segue, portanto, parece-me necessária e, em rigor, transcende a questão da zika e da microcefalia, alcançando os direitos reprodutivos das mulheres de maneira geral”. Outro grande equívoco, vez que tal discussão sobre o aborto nem sequer deveria ocorrer no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

Aliás, o tema aborto (eufemismo para homicídio intrauterino) não deveria ocorrer em nenhum lugar, até porque é uma afronta ao direito natural mais importante, isto é, o direito à vida, sem o qual não se poderá falar de nenhum outro direito. Entretanto, se há um ambiente democrático para debates sobre essa matéria, esse lugar se chama “parlamento”.

O que se nota é que a ADI 5.581 põe em xeque a atribuição constitucional do Congresso Nacional de, segundo o inciso XI do artigo 49 de nossa Carta Magna, “zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros poderes”. Outrossim, já havendo diversas propostas legislativas com o mesmo objeto e de teor bastante semelhante tramitando no Congresso Nacional, dentre as quais os projetos de lei 88/2016, 4.396/2016, 2.574/2019 e 1.945/2020, não há qualquer razão para julgar, à revelia da decisão de representantes eleitos da sociedade brasileira, temáticas que não lhes cabem.

De outro giro, ressalte-se que o julgamento de matérias como o aborto prejudica sobremaneira o andamento do processo legislativo, ensejando explícita perturbação da harmonia entre os poderes constituídos, o que representa também uma afronta ao artigo 2º da Constituição Federal, como já esclarecido.

O que essa malfadada ação (a ADI 5.581) visava, na realidade, era legalizar a prática da eugenia, assegurando que a mulher gestante cujo bebê tenha sido diagnosticado com microcefalia em decorrência da mencionada infecção pudesse abortar. Essa medida demonstra clara hipótese de usurpação da competência legislativa do Congresso Nacional, a quem cabe se pronunciar sobre tal matéria.

Não é demais corroborar que não há relação de causalidade entre a infecção por zika vírus e a microcefalia. Nos dizeres de Raphael Câmara, médico, Ph.D. em Ginecologia e conselheiro do Conselho Federal de Medicina, observe-se que os testes para o zika vírus são inconclusivos e que merece destaque o fato de que nem todas as mulheres infectadas com o vírus dão à luz bebês com microcefalia. Finalizou ainda o ginecologista: “O que estou dizendo aqui é que, se o aborto for feito baseado nesses exames, é provável que se abortem fetos saudáveis. O fato de a mãe ter sido infectada não implica dizer que o bebê terá microcefalia. De todo o modo, a microcefalia também não indica necessariamente que não haja desenvolvimento cerebral”. Em resumo, com base no que esclarece Raphael Câmara, muitos bebês sem microcefalia acabariam sendo abortados como se tivessem microcefalia, justamente por causa da ineficiência dos exames de diagnóstico correspondentes.

Além disso, no que concerne aos chamados “direitos sexuais e reprodutivos” mencionados no voto, tais conceitos carecem de definição no universo jurídico. Isso porque estes termos foram apenas invenções de organizações internacionais diretamente interessadas na legalização do aborto, que começaram a utilizar tais “conceitos” como forma de suavizar a linguagem e camuflar seus intentos em nome da cultura da morte. No entanto, resta patente que nenhum destes termos encontra um conceito fechado e claro. Não passam de questões meramente subjetivas!

Quanto ao que o ministro alega sobre a necessidade de “tratamento constitucional e legal a ser dado à interrupção de gestação, aos direitos fundamentais da mulher e à proteção jurídica do feto”, aqui cabe uma breve digressão. A Constituição Federal promulgada em 1988, em seu artigo 5.º, caput (“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”), estabelece como um dos seus princípios basilares o direito inviolável à vida, sendo certo que o Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002) dispõe, em seu artigo 2.º, que “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Da mesma maneira, determina o artigo 7.º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) que “a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimentoe o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”, ou seja, a legislação pátria atualmente em vigor não propõe qualquer hipótese de relativização do direito à vida, persistindo, pois, seu caráter de inviolabilidade e, por conseguinte, não comportando nenhuma exceção.

Não é demais trazer à lume os dizeres de outro ministro do STF, Alexandre de Moraes: “O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos. A Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência. O início da mais preciosa garantia individual deverá ser dado pelo biólogo, cabendo ao jurista, tão somente, dar-lhe enquadramento legal, pois do ponto de vista biológico a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide, resultando um ovo ou zigoto. [...] A Constituição, é importante ressaltar, protege a vida de forma geral, inclusive  uterina”. Destarte, já há proteção constitucional do direito à vida, que é cláusula pétrea e que não abre caminhos para quaisquer exceções. Assim, nem o artigo 128 do Código Penal deveria ter sido recepcionado pela nossa Carta da República, pois tal dispositivo infraconstitucional colide com o espírito da Constituição, que garante a inviolabilidade da vida humana.

O aborto é sempre um homicídio, ou pelo menos o risco que se corre cegamente de cometê-lo. E pior, trata-se de um crime cometido contra a vítima mais frágil que se pode imaginar: a do bebê no ventre de sua mãe!

No Direito Penal, quando há dúvida quanto à inocência de uma pessoa, aplica-se-lhe o princípio do in dubio pro reo. Então, por analogia, se, em situação hipotética, houvesse dúvida sobre o início da vida, jamais lhe seria permitido conceber o “direito de matar”, mas deveria ser aplicado o in dubio pro nascituro. Ocorre que não há dúvida quanto ao marco inicial da vida humana que, por evidência científica, começa na concepção. Portanto, segundo a intelecção do próprio ministro Alexandre de Moraes, ao legislador cabe acompanhar o que a ciência atesta sobre o início da vida humana para a garantia de sua proteção integral.

Nos artigos 124 a 127 do Diploma Repressor, resta tipificado o crime de aborto, dentro do Título I da sua Parte Especial, a qual versa sobre os crimes contra a pessoa e, da mesma maneira, está dentro do Capítulo I, que trata dos crimes contra a vida. Sendo assim, não pairam quaisquer dúvidas de que, desde o advento do Código Penal, em 1940, o próprio legislador sempre considerou o nascituro como pessoa humana.

Para além disso, imperioso destacar também o que o ordenamento jurídico pátrio evidencia sobre a personalidade do nascituro. Assegura o Pacto de San José da Costa Rica, celebrado em decorrência da Conferência Americana sobre Direitos Humanos (realizada em novembro de 1969) e ratificado pelo Brasil em 1992, cujo teor inspirou nossa Carta Magna, sendo o nosso país dele signatário, que “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Se direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente” (artigo 4.º, n. 1). E mais ainda, em seu artigo 3.º: “toda pessoa (ou seja, “todo ser humano” para os efeitos da Convenção – artigo 1.º. n. 2) tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica”. Note-se que o direito de ser reconhecido como pessoa é dado a todo ser humano, sem distinção da vida intra ou extrauterina. E, por isso, a cláusula “em geral” do artigo 4.º só pode ser interpretada como generalização e não como excepcionalização. Pois, se todo ser humano é pessoa (como diz o artigo 3.º), não pode haver ser humano sem direito à vida.

Se o nascituro é pessoa, e isso foi declarado por uma convenção que tem statussupralegal, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna segundo o acórdão do RE 349703/RS, publicado em 5 de junho de 2009, segue-se que não há lugar no Brasil para nenhum aborto.

Na opinião do ministro Ayres Britto, relator da ADI 3.510 (sobre a destruição de embriões humanos para fins de pesquisa e terapia), a proibição do aborto não significa “o reconhecimento legal de que em toda gravidez humana já esteja pressuposta a presença de pelo menos duas pessoas: a da mulher grávida e a do ser em gestação”. Leiamos com atenção como prossegue o ministro: “Se a interpretação fosse essa, então as duas exceções dos incisos I e II do artigo 128 do Código Penal seriam inconstitucionais, sabido que a alínea a do inciso XLVII do artigo 5.º da Magna Carta Federal proíbe a pena de morte (salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX). Faltou ao ministro dizer que o que, para ele, era apenas uma hipótese é, na verdade, uma realidade. O direito brasileiro reconhece a presença de duas pessoas: a da gestante e a da criança por nascer. Logo, qualquer “direito” ao aborto é inconstitucional.

À mesma conclusão chega Ronald Dworkin, ferrenho defensor da sentença Roe v. Wade, que em 1973 declarou constitucional o “direito” ao aborto nos EUA

(graças a uma falsa alegação de estupro, conforme depois confessou Norma McCorvey, protagonista do caso). Segundo esse pensador, a decisão da Suprema Corte norte-americana baseia-se fundamentalmente sobre a tese de que a criança por nascer não é pessoa. Repetidas vezes, em seu livro Domínio da vida, o autor afirma que, se o nascituro (que ele costuma chamar de “feto”) fosse pessoa, o aborto seria inadmissível em todos os casos, inclusive em “estado de necessidade” ou em caso de gravidez resultante de estupro. Leiamos algumas de suas passagens: “Em termos morais e jurídicos, é inadmissível que um terceiro, como um médico, mate uma pessoa inocente mesmo quando for para salvar a vida de outra” (p. 131). “Do ponto de vista de que o feto é uma pessoa, uma exceção para o estupro é ainda mais difícil de justificar do que uma exceção para proteger a vida da mãe. Por que se deve privar o feto de seu direito a viver e obrigá-lo a pagar com a própria vida [por] um erro cometido por outra pessoa?” (p. 132). Criticando aqueles que não aceitam o aborto quando o bebê foi fruto de uma relação sexual voluntária, mas o aceitam quando ele foi concebido em um estupro, o autor afirma: “Sem dúvida, a diferença não seria de modo algum pertinente, como afirmei, se o feto fosse uma pessoa com direitos e interesses próprios, pois tal pessoa seria completamente inocente a despeito de qual fosse a natureza ou a intensidade da culpa de sua mãe” (p. 134).

Pelo que se percebe, o ponto vulnerável dos defensores do aborto, o seu “calcanhar de Aquiles”, é a personalidade jurídica do nascituro. Demonstre-se que nascituro é pessoa e todo o edifício abortista desaba. Ora, como o nascituro é pessoa – e isto não é algo de lege ferenda, mas pertencente ao atual direito interno brasileiro –, não há lugar para nenhuma das hipóteses nem sequer do artigo 128 do Código Penal, que trata das chamadas escusas absolutórias do aborto.

Nem todos entendem a importância da vigência do Pacto de San José da Costa Rica em nosso ordenamento jurídico. O célebre jurista Ricardo Dip, hoje desembargador do TJSP, na época juiz de direito do antigo TACrimSP, já dizia no acórdão do Habeas Corpus 323.998/6, em 1998: “Em boa hora se vem invocando nos Pretórios o Pacto de São José de Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), que se fez direito interno brasileiro, e que, pois, já não se configura, entre nós, simples meta ou ideal de lege ferenda. É mesmo reclamável seu cumprimento integral, porque essa Convenção foi acolhida sem reservas pelo Estado brasileiro. Parece que ainda não se compreendeu inteiramente o vultoso significado da adoção do Pacto entre nós: bastaria lembrar, a propósito, pela vistosidade de suas consequências, que seu artigo 2.º modificou até mesmo conceito de pessoa versado no artigo 4.º do Código Civil, já que, atualmente, pessoa, para o direito posto brasileiro, é todo ser humano, sem distinção de sua vida extra ou intrauterina. Projetos, pois, destinados a viabilizar a prática de aborto direto ou a excluir antijuridicidade para a prática de certos abortamentos voluntários conflitam com a referida Convenção” (ressalte-se apenas que, em 1998, vigorava o Código Civil de 1916. O artigo 4.º do antigo Código corresponde ao artigo 2.º do Código de 2002, atualmente em vigor).

Portanto, é inquestionável que em nosso sistema jurídico não há qualquer espaço para o aborto, embora muitos ministros do STF (que nem sequer foram eleitos pelo povo), sobretudo o ministro Barroso, tentem manipular a Carta Magna fazendo valer suas convicções pessoais à revelia do espírito das leis.

Já no ponto 4 de argumentação de Barroso, in verbis: “O aborto é um fato indesejável, e o papel do Estado e da sociedade deve ser o de procurar evitar que ele ocorra, dando o suporte necessário às mulheres. Essa é a premissa sobre a qual se assenta o raciocínio aqui desenvolvido. Reitero, porém, o meu entendimento, já manifestado em decisão anterior (HC 124.306), de que o tratamento do aborto como crime não tem produzido o resultado de elevar a proteção à vida do feto. Justamente ao contrário, países em que foi descriminalizada a interrupção da gestação até a 12.ª semana conseguiram melhores resultados, proporcionando uma rede de apoio à gestante e à sua família. Esse tipo de política pública, mais acolhedora e menos repressiva, torna a prática do aborto mais rara e mais segura para a vida da mulher”. A priori, faz-se mister salientar que o aborto é a privação da vida de um ser humano em determinado estágio de seu desenvolvimento.

A alegação de que o número de abortos supostamente tende a diminuir com a sua legalização é absolutamente falaciosa. Na Austrália, por exemplo, a legalização fez o número de abortos saltar de 66 mil para cerca de 100 mil casos em 20 anos; nos EUA, o crescimento foi ainda mais dramático: de cerca de 100 mil abortos para aproximadamente 1,3 milhão, em 2008. Na Suécia, o número de abortos cresceu vertiginosamente desde sua legalização em 1939, de 439 naquele ano para 36.629 em 2014. Na Espanha, também notamos as estatísticas do aborto aumentando de forma exponencial, de 16.766 em 1987 (dois anos após a legalização) para 118.359 em 2011. Já no Uruguai, no primeiro ano após a legalização houve pouco mais de 6 mil casos de aborto no país. Em um único biênio verificou-se um incremento de aproximadamente um terço no número de crianças abortadas.

Tendo em vista as verdadeiras estatísticas do aborto, falta um mecanismo causal que explique as razões do suposto decréscimo no número de abortos que alega o ministro Barroso. Por acaso a permissão “legal” do aborto faz brotar imediatamente nas mentes das gestantes a monstruosidade desse ato? Não o faz. Neste caso, trata-se de uma mera relação estatística falsa, como sobejamente comprovado acima.

Conforme demonstrado, em todos os países que legalizaram o assassinato de bebês no ventre materno o número de abortos subiu consideravelmente e a sociedade presenciou consequências nefastas. Segundo levantamento feito no livro Precisamos falar sobre aborto: mitos e verdades, nos 19 países analisados em que se fez o confronto “legalização vs. número de abortos” notou-se que esses países representam 51% da população mundial, ou seja, quase 3,7 bilhões de habitantes, o que configura claro holocausto das vítimas mais inocentes.

No ponto 5, o ministro Barroso argumenta que: “Acesso aos serviços públicos de saúde, aconselhamento adequado, informações sobre métodos contraceptivos e algumas gotas de empatia produzirão melhor impacto sobre a realidade do que a ameaça de encarceramento. Atirar no sistema penitenciário mulheres que já vivem um quadro aflitivo, quando não desesperador, é não compreender a grandeza do sofrimento de quem se encontra em tal situação. Ninguém faz aborto por prazer ou por perversidade”.

No tocante ao argumento acima enumerado, vale observar que, a despeito do desconhecimento de alguns, o movimento pró-vida, desde sempre, vem trabalhando em várias frentes, sejam elas o aconselhamento, o acolhimento e a caridade para com aquelas famílias que acreditam que assassinar um bebê indefeso seja uma saída.

Não obstante, o movimento pró-vida trabalha também para tornar o fardo dessas mulheres mais leve, apresentando a opção de ter o bebê e disponibilizar a possibilidade de adoção, única hipótese viável e que produz os melhores resultados possíveis, já que livra a mulher dos traumas de ter matado seu próprio filho, além dos inúmeros outros problemas de ordem física e psicológica, que muitas vezes resultam até mesmo em casos de suicídio.

Não é preciso ir muito longe para encontrar mulheres, atualmente adultas, que foram concebidas em uma situação de violência sexual, por exemplo, e que foram muito bem acolhidas. A ex-deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP) declarou publicamente em uma sessão da Comissão de Seguridade Social e Família de 19 de maio de 2010, quando estava em discussão o Estatuto do Nascituro (PL 478/2007), que ela havia sido concebida em decorrência de um abuso sexual sofrido por sua mãe, que cumpria pena em um presídio e já tinha cinco filhas. A então deputada, que nunca conheceu seu pai, confessou que outras vezes já defendera o “direito” ao aborto. “Mas eu precisava ser curada, ser trabalhada, porque eu estava com um trauma”, acrescentou. Naquela sessão, porém, ela estava decidida em votar a favor da vida: “Se nós lutamos pelo direito à vida, temos de lutar desde o nascituro”.

Outro caso emblemático é o de Fabiana Silva, 34 anos, moradora de Goiânia que, em outubro de 2018, foi a Anápolis (GO) agradecer àqueles que a convenceram a não abortar seu filho Vítor, concebido em um estupro. O crime se deu em meados de agosto de 1999, quando Fabiana tinha apenas 14 anos. O agressor havia sido o “padrasto” (amásio da mãe), que fugiu logo após a agressão. A adolescente estava disposta a provocar o aborto em si mesma se ninguém aceitasse provocá-lo nela. Em janeiro de 2000, ela aguardava do Hospital do Jabaquara, em São Paulo, uma resposta: se iriam ou não fazer o aborto. O fato ganhou repercussão internacional. Jorge Andalaft, na época responsável pelos abortos daquele hospital (o primeiro a usar dinheiro público para fazer abortos, prática criminosa introduzida em 1989, graças à iniciativa da então prefeita petista Luíza Erundina), reclamou que estava recebendo 30 telefonemas por hora de toda a parte do mundo.

Enfim, casos como os mencionados acima são muito comuns. Entretanto, parece que o ministro os ignora por conveniência.

Quanto à questão do encarceramento, em um sistema jurídico cuja pena tem o caráter punitivo-repressivo, e considerando que o direito à vida é inviolável, qualquer ameaça a esse direito deve ser severamente punida, sobretudo com base no direito natural e na própria legislação pátria, além de tratados internacionais que versam sobre direitos fundamentais e que restaram introduzidos em nosso ordenamento jurídico.

Por fim, há de se observar que não merece prosperar o argumento do ministro no sentido de que “ninguém faz aborto por prazer ou perversidade”. Pelo que se tem visto do modus operandi da militância abortista, suas sentinelas valem-se de melindres, de falsas denúncias de estupros, encenações macabras e de chacotas diversas, demonstrando que boa parte do movimento apenas deseja referendar seu pretenso “direito de matar”, sem contar que o aborto já é, em si mesmo, uma grande perversidade.

Na sexta parte da fundamentação do voto do ministro Barroso, temos que: “Não é o caso de se explorar analiticamente, nessa instância, o conjunto de direitos fundamentais da mulher afetados pela criminalização, como sua liberdade individual, igualdade e direitos sexuais e reprodutivos. Nem tampouco de demonstrar as razões pelas quais a proteção do feto, importante como é, não está acima desses direitos. Para que não haja dúvida: mulheres são seres autônomos, que devem ter o poder de fazer suas escolhas existenciais, e não úteros a serviço da sociedade. A tudo isso se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que essas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos”.

Em um caso de aborto nós temos, de um lado, a gestante com sua “liberdade”; e, do outro, o bebê em seu ventre, que, a partir da concepção, é uma vida humana dotada de dignidade, por evidência científica e não ao alvedrio da vontade de um ministro que teve seu direito à vida garantido por sua mãe. Neste “conflito de interesses”, o que deve prevalecer: a suposta liberdade da mulher, a igualdade e os ditos “direitos sexuais e reprodutivos”, ou a vida do ser mais frágil e vulnerável? Embora não haja hierarquia entre os princípios constitucionais, resta evidente que, em caso de colisão entre dois ou mais destes princípios, faz-se necessário adotar a técnica da ponderação de princípios.

Não se deve olvidar que os direitos fundamentais possuem natureza principiológica e, por isso, têm conteúdo axiológico que é carregado de valores éticos que a sociedade deve seguir. Assim sendo, quando existe confronto entre dois direitos fundamentais, não resta alternativa ao Poder Judiciário a não ser avaliar o caso concreto, trazendo a lume o princípio da proporcionalidade e, por sua vez, viabilizando a ponderação de interesses. In casu, entre os direitos da gestante que colidem com os direitos do nascituro, o sopesamento deve ser feito levando-se em consideração que não há, por exemplo, liberdade se antes não falarmos do direito à vida. De igual modo, cumpre sinalizar que o próprio princípio da dignidade da pessoa humana, princípio nuclear no ordenamento jurídico brasileiro – colimado no artigo 1.º, III, da Constituição Federal –, decorre, aprioristicamente, do direito à vida. Então, é notório que, em se tratando de ponderação de interesses como no caso acima aquilatado, o que deve prevalecer é o direito à vida do nascituro.

O ministro Barroso assinala que “mulheres são seres autônomos, que devem ter o poder de fazer suas escolhas existenciais, e não úteros a serviço da sociedade”. De fato, a liberdade, que também é um direito fundamental, deve ser respeitada, desde que esta não signifique dizer liberdade para matar um ser humano indefeso que, ainda por cima, está sob sua guarda.

Quanto ao suposto impacto da criminalização sobre as mulheres pobres, tal argumento é inverossímil. É curioso que, de maneira geral, os promotores da cultura da morte afirmam que são as mulheres negras e pobres que mais praticam abortos e que supostamente são as que mais morrem ao realizarem o procedimento de forma clandestina. Este é outro argumento desamparado da realidade. O aborto é um crime bárbaro sempre. Não se trata de cor, raça, cultura ou poder aquisitivo: nada muda a natureza criminosa do ato! Afirmar que a criminalização do aborto recai sobre a população mais pobre é tão somente reforçar a “senzala ideológica” na qual o propagador da cultura da morte quer manter a classe mais necessitada.

Estatisticamente falando, as mulheres pobres “optam” muito mais por terem suas crianças do que as mulheres ricas. Mesmo com todas as dificuldades, as mulheres pobres têm seus filhos com muito carinho. No entanto, alegar o contrário é subterfúgio para utilização de apelo socioemocional por meio do qual os abortistas desejam aprisionar a todos. Isso não passa de mera manipulação da verdade dos fatos. Vale lembrar que Margaret Sanger, criadora da Planned Parenthood, nos EUA, desejava fazer uma “limpeza étnica” no país e exterminar os negros por meio do aborto. Desde sempre os promotores da cultura da morte agem para institucionalizar a eugenia.

A verdade salta aos olhos: a mulher pobre, quando, no seu desespero, busca o aborto, ao receber ajuda logo é demovida da ideia de abortar e prontamente acolhe a criança que cresce em seu ventre. Com isso, o que vemos é que os abortistas fazem de tudo para instrumentalizar as mulheres negras e pobres, em especial, para avançarem com suas agendas eugenistas e sanitaristas.

Quanto ao tratamento do aborto como crime à luz do Direito Penal, é inconteste que um dos argumentos mais suscitados contra a tutela penal do direito à vida intrauterina é o de que a criminalização seria, per si, ineficiente. O motivo assinalado, para tanto, é o de que, independentemente da vedação legal, as pessoas continuariam abortando de um jeito ou de outro. Ocorre que, se essa fosse uma razão relevante para não crer na importância da tutela penal da vida intrauterina, fato é que todos os crimes deveriam ser despenalizados, o que seria um grande absurdo, até porque, apesar da penalização, os estupros, os roubos, os homicídios, os latrocínios, dentre outros tantos delitos, não deixam de ser praticados por conta de sua proibição.

Inexoravelmente, o Direito Penal tem um papel crucial na prevenção e repressão dos crimes que são atentatórios ao homem e à paz social. O aborto é um atentado frontal ao direito natural à vida e não se trata de uma mera questão de saúde pública, como muitos alegam. A Constituição Federal consagrou a inviolabilidade do direito à vida como cláusula pétrea. Como lembra Lilia Nunes dos Santos em A atual discussão sobre a descriminalização do aborto no contexto de efetivação dos direitos humanos, a tutela jurídico-penal da vida humana foi abrangida pelo legislador ordinário desde a edição do Código Criminal do Império do Brasil, em 1830, passando pelo Código Republicano de 1890 até a edição do Código Penal de 1940 que permanece em vigor, nos quais a vida humana é erigida como bem jurídico do mais elevado valor, incluindo a vida intrauterina.

Na parte 7, o ministro Barroso discorre: “Considero importante registrar que praticamente nenhuma democracia desenvolvida do mundo combate a interrupção da gestação com direito penal. Justamente porque existem alternativas menos traumáticas e mais eficientes. Confiram-se alguns exemplos emblemáticos de países que não optaram pela criminalização: Alemanha, Austrália, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Itália, Noruega, Portugal, Reino Unido e Suíça. Na verdade, é assim na quase totalidade dos países da Europa. Há de haver alguma razão para isso”.

Em relação a este sétimo ponto de argumentação, nota-se que o Ministro se vale da máxima falaciosa segundo a qual “a grande maioria dos países desenvolvidos não criminaliza o aborto”. Ora, como bem assentiu em seu voto, “há de haver alguma razão para isso.” E a razão não tem absolutamente nada a ver com o fato de serem países desenvolvidos. Veja o exemplo de Malta, país eminentemente católico e conservador, com renda per capita superior a US$ 48 mil, com IDH 0,885 (0 28.º mais alto do mundo em 2018), onde o assassinato intrauterino é completamente banido.

De fato, a razão para que tantos países tenham, ao longo dos anos, introduzido o assassinato intrauterino em sua legislação consiste no sistemático avanço da cultura da morte e da revolução sexual, capitaneadas, principalmente por metacapitalistas preocupados unicamente em conter o crescimento populacional que, segundo eles, pode constituir ameaça a seus planos de poder e de governança mundial. Uma prova disso é a manutenção de unidades da International Planned Parenthood Federation European Network – conhecida multinacional da morte, que financia e forma militantes – em diversos continentes, à exceção da América do Sul. Entidades como essa (além da Usaid, do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e de diversos organismos das Nações Unidas) promovem o pseudoplanejamento familiar – que nada mais é do que assassinato de bebês no ventre materno – não antes de fomentarem uma mudança comportamental da sociedade, a exemplo do que fez a chamada “revolução sexual” nos anos 60, notadamente nos Estados Unidos, com a realização do Festival de Woodstock, em 1969.

Tudo isso com o aval da Organização Mundial da Saúde, cujo novo paradigma de saúde é extremamente seletivo e exclui um sem-número de indivíduos do direito à vida, seja por meio do homicídio intrauterino, seja pela eutanásia, os quais nem sempre são promovidos descaradamente, mas também encontram guarida na forma velada – que só consegue enganar os mais incautos –, a exemplo da distribuição da pílula do dia seguinte (abortiva) e dos anticoncepcionais, da limitação de consultas médicas para pacientes crônicos e/ou terminais, da romantização tanto da eutanásia quanto do aborto como sendo meios de “humanizar” sua visão jurídica, prática essa que vem contando com investimentos milionários em livros e filmes, sobretudo nos últimos anos, atingindo a um público que engloba diversas faixas etárias.

E, por derradeiro, na parte 8 dos argumentos de Barroso, ele finaliza: “A tradição judaico-cristã condena o aborto. Deve-se ter profundo respeito pelo sentimento religioso das pessoas. E, portanto, é plenamente legítimo ter posição contrária ao aborto, não o praticar e pregar contra a sua prática. Mas será que a regra de ouro, subjacente a ambas as tradições – tratar o próximo como desejaria ser tratado – é mais bem cumprida atirando ao cárcere a mulher que passe por esse drama? Pessoalmente, não creio. Portanto, sem abrir mão de qualquer convicção, é perfeitamente possível ser simultaneamente contra o aborto e contra a criminalização”.

O povo brasileiro, majoritariamente cristão e contrário ao aborto em quaisquer circunstâncias, teve sua posição a respeito do aborto suficientemente explicitada, não apenas de forma indireta, por via eleitoral, mas em diversas pesquisas de opinião. Segundo pesquisa realizada, em junho de 2018, pelo instituto Real Time Big Data, cerca de 70% dos brasileiros são contra o aborto em absolutamente todas as circunstâncias.

A chamada despenalização do aborto, em qualquer hipótese, longe de atender a quaisquer demandas da sociedade civil, amplia as graves tensões sociais que a têm caracterizado nos últimos anos e prejudica, em larga medida, a reputação, a autoridade e a eficácia do Estado como poder legítimo. A afirmação dos direitos do nascituro é, portanto, ao mesmo tempo, a defesa de nossa democracia.

Há de se dizer, da mesma forma, que o crescimento do movimento abortista internacional e sua penetração no Brasil representam, sob vários aspectos, o desdobramento de um projeto de poder relacionado a diversas fundações internacionais cujo interesse é alheio, e por vezes hostil, à soberania nacional brasileira, e possui como objetivo primordial o controle populacional.

Prática das mais contrárias à lei natural, o aborto fere, de forma claríssima, o código moral que todo homem traz inscrito em sua consciência e que pertence ao patrimônio comum de todos os povos, religiões e culturas. Portanto, em qualquer nação que se queira prosperar, não há como não combater a cultura da morte com todas as forças, até mesmo porque o aborto, por exemplo, é a última barreira moral de qualquer país. Se uma sociedade consente, ainda que tacitamente, que uma mãe possa ceifar a vida de seu próprio filho, o que mais não será consentido? Todas as demais mazelas certamente encontrarão na legalização do aborto sua porta de entrada.

Diante desse cenário, somos cada vez mais chamados a atender a nossa vocação, já ensinada pelo papa Leão XIII: “os católicos nasceram para o combate”, de modo a coibir todas as práticas aviltantes ao direito natural e aos valores fundantes da nossa sociedade erigida aos pés da Cruz e sob o estandarte de Cristo Rei do Universo.

Chris Tonietto é deputada federal (PSL-RJ).

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