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Sede da CNBB.
Sede da CNBB.| Foto: Divulgação / CNBB

Deixei de lado os discursos entusiasmados a favor e contra o texto-base da Campanha da Fraternidade 2021, texto este publicado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de autoria do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), e resolvi ler o material inteiro. Não deixei de enviar minhas conclusões para os líderes da Igreja Católica local, sugerindo, sim, explorar o tema e o lema da Campanha da Fraternidade durante a Quaresma, mas sugerindo também abandonar por completo o texto-base publicado.

O tema da campanha é “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor”, e o lema é “Cristo é nossa paz: do que era dividido fez uma unidade”. Verdades caras para nós, cristãos; e são, sim, razão de nos constituirmos como Igreja também. Por outro lado, nenhuma campanha se faz somente com tema e lema. Já são décadas de caminhada da Igreja com a Campanha da Fraternidade e todos sabemos que o que se almeja é também, durante um tempo propício, a Quaresma, conduzir o povo em direção a algo pré-definido. Desta forma, é grande a responsabilidade dos autores dos materiais divulgados para todo o Brasil. E, diante do atual texto-base, no dia em que li, providencial foi deparar-me com um trecho do Evangelho de São Marcos em que Jesus adjetiva de “hipócrita” um grupo de pessoas: primeiro Jesus ataca o grupo, e depois explica seus motivos. Um pouco diferente do que pregamos quando queremos o diálogo, mas é o próprio Jesus quem o faz.

Hipócritas os fariseus e outros grupos que se afastam da essência da Lei por meio de suas tradições e regras. Talvez muitos conservadores, hoje, também seriam chamados de hipócritas por Jesus. Mas e o outro lado, os chamados “progressistas”, como seriam chamados hoje?

O texto-base da Campanha da Fraternidade 2021 deve ser jogado na lixeira por inteiro. É ruim do início ao fim. Nada tem de diálogo. É um monólogo “progressista” que distorce dados e passagens bíblicas para colocar para o leigo cristão uma narrativa, de novo, de luta de classes, que já cansou minha pouca inteligência católica. O viés de análise dos parágrafos 9 e 10 do texto-base, por exemplo, é claro: atribuído sentido conforme conveniência de quem está narrando. A carta de apresentação do documento claramente delimita o “diálogo” para o que um dos polos da luta de classes quer. Ora, se é diálogo, não deveríamos ter pontos e contrapontos defendidos, sob todos os aspectos, notadamente num documento que quer ser ecumênico (universal, de todos) e unir o que está dividido?

E a sempre presente manipulação dos dados: ah, os dados, de novo eles! Nenhum dos dados apresentados, no que é chamado de “contexto atual”, pode ser considerado. Como podem aprovar um texto deste? Como a CNBB, com toda a sua estrutura, pode ter aprovado um texto como este? Repito: nenhum dos dados representa nossa realidade, e isso que minha visão não alcança tanto assim. Fico triste por ver nossos bispos aprovando e publicando um texto assim. Eu pretendia escrever este texto falando dos assessores dos bispos que, com certeza, são os responsáveis pela revisão do texto-base. Mas resolvi, embora doa-me, como filho da Igreja, falar de nossos bispos, responsabilizá-los diretamente. Foram tantos defendendo a publicação que não dá para simplesmente dizer que são os assessores. Nossos bispos resolveram admitir que houve equívoco, especialmente quando falaram da forma como o texto aborda a ideologia de gênero. Sim, este foi um equívoco grande da CNBB ao aprovar a redação final. Mas não é só isso. O texto todo deve ir para a lixeira de qualquer paróquia.

Eu diria que os padres nem sequer deveriam autorizar que as equipes de canto entoem o hino da campanha, para não promover a campanha como ela se apresenta. Deveriam dizer claramente que querem falar sobre o tema e o lema da mesma; que querem, sim, em nível local, também dialogar sobre nossa realidade com as igrejas cristãs que estão também celebrando a unidade conosco; mas que não admitem o texto-base em nossas comunidades. E nossos bispos deveriam, sim, admitir um grande erro ao publicar este documento, ao permitir a construção de toda a campanha deste ano pela equipe que o fez. Resolveram dizer que “há algo de bom no texto-base”. Não há.

Voltando aos dados, vou me deter em dois deles, que são, a meu ver, os mais gritantes: conduzir à conclusão de que há racismo estrutural no Brasil porque 54,96% dos encarcerados são pretos ou pardos é chamar os leitores e homens de boa fé de burros: 56% da população brasileira (dados do IBGE/Pnad) se declara preta ou parda. Então, proporcionalmente, temos menos pretos ou pardos presos do que brancos. Eu fico chocado com tanta presunção das pessoas que manipulam dados sem saber fazer análise alguma. Há tanto para falar sobre o racismo e nossos problemas sociais em torno do tema, e o texto-base se resume a apresentar os pretos e pardos presos como vítimas de um sistema que, segundo os autores, é claramente “seletivo e racista”, responsabilizando a “decomposição ética da gestão pública”. Eu, como conhecedor da gestão de empresas públicas e privadas, me enojei com a afirmação do Conic e da CNBB.

O segundo dado que quero denunciar é o utilizado para concluir que as mulheres são alvo de violência estrutural no sistema, excluindo-as de benefícios sociais. Segundo o texto, usando dados do IBGE, 70% das empregadas domésticas estão na informalidade. Ora, estão na informalidade porque são diaristas e trabalham para várias famílias diferentes, e porque não foram instruídas a abrir um CNPJ que lhes garanta benefícios mínimos, como deveria ser neste caso. Quantos de nós, da classe média, contratamos diaristas com CNPJ? E não o fazemos por quê? Por que acreditamos que a mulher diarista, que presta serviços domésticos, é de segunda categoria e não merece benefícios? Ou é porque na informalidade elas ganham mais imediatamente, em detrimento do futuro? Quantos de nós, na verdade, incentivamos esta situação de informalidade?

E não vou perder tempo comentando todos os parágrafos que falam com forte viés sobre a situação que vivemos no Brasil desde março de 2020. Para usar a mesma expressão do documento: “estou parado e com o rosto sombrio” diante do convite ao monólogo apresentado pela CNBB. Brincam comigo e com os católicos e cristãos de boa fé! Este texto-base todo é um lixo que fomenta a luta de classes, a velha luta de classes comunista! Hipócritas! Falam de diálogo e unidade, mas querem segregar em classes e brigar. E sou eu, não Jesus, quem está chamando de hipócritas este grupo de “progressistas” que se fecham ao diálogo.

Eu não estou nesta luta de classes e não vou entrar. Sou bancário e meu salário, que sustenta minha família, vem diretamente dos juros cobrados pelo banco onde trabalho. Na luta de classes, eu sou o lado mau segundo o texto publicado pela CNBB. Já cansei de escutar isto. Humildemente sofro como cristão. Sou trabalhador e também mereço respeito por parte da minha Igreja.

Nada doarei no Domingo de Ramos. O que farei, sim, é aumentar minha contribuição do dízimo neste mês e deixar mais recursos para a minha comunidade paroquial, que poderá aplicar melhor em projetos locais. Eu preferia estar discutindo os reais problemas sociais do Brasil e não toda esta esquizofrenia monóloga dos socialistas que assessoram nossos bispos.

À CNBB: escute, por favor, outras pessoas. Vocês estão escutando os mesmos há pelo menos 50 anos. Não é hora de realmente dialogar e derrubar os muros?

Paulo Cesar Starke Junior é contador. 

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