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O PL 591/2021 e a proposta de alteração no modelo do serviço postal
| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo

O PL 591/2021, em trâmite no Congresso Nacional sob regime de urgência, propõe uma reformulação na prestação do serviço postal no Brasil. Conforme seu artigo 23, estaria a União federal autorizada a transformar a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, hoje empresa pública, em sociedade de economia mista. Tal autorização legislativa viabilizaria a abertura do capital da empresa de correios, atualmente fechado e pertencente à União, para uma forma societária de empresa estatal que permite a participação de receitas privadas, em modelos similares aos de outras sociedades de economia mista federais, tais como o Banco do Brasil S/A e a Petrobras S/A.

O PL 591/2021 também deixa claro, no artigo 24, que a empresa de correios, agora Correios do Brasil S/A, teria exclusividade no “atendimento, coleta, triagem, transporte e distribuição no território nacional e expedição para o exterior de carta, cartão postal e correspondência agrupada, além do serviço público de telegrama”. No entanto, tais serviços serão exclusivos dos Correios do Brasil S/A, no máximo, nos termos do artigo 24, parágrafo único, I, por “até cinco anos, contados da data da publicação desta lei”. Ainda, o mesmo artigo, no inciso II, estabelece que tal exclusividade pode ser restringida por ato do Poder Executivo federal. Assim, caberia ao Poder Executivo, e não ao legislador, restringir as atividades exclusivas em período inferior aos cinco anos estabelecidos no inciso I do artigo 24.

As atividades ditas “exclusivas” dos Correios do Brasil S/A podem também, conforme consta do PL 591/2021, ser outorgadas ao setor privado no regime de concessão, sendo atribuída a competência regulatória à Anatel, que passa a ser denominada Agência Nacional de Telecomunicações e Serviços Postais.

Diferentemente do que pode parecer, este cenário não equivale à privatização, cuja característica implicaria em alienar a empresa e sua atividade, entregando-a totalmente ao setor privado. Trata-se, sim, de um regime de concessão, pelo qual estaria a autoridade competente (agência reguladora ou Poder Executivo federal) autorizada a outorgar a prestação dos serviços de correio a terceiros, em regime concorrencial, não mais exclusivo dos Correios do Brasil S/A, estabelecendo-se, à luz do que ocorreu com o setor de telecomunicações, um “mercado regulado” no qual a empresa estatal concorreria com os concessionários, tendo a Anatel como reguladora desse mercado.

Trata-se, sim, de um regime de concessão, pelo qual estaria a autoridade competente (agência reguladora ou Poder Executivo federal) autorizada a outorgar a prestação dos serviços de correio a terceiros.

Ocorre, contudo, que na ADPF 46, julgada em 2009, o Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no sentido de que o serviço postal é serviço público exclusivamente prestado pela União federal. Extrai-se da decisão, de relatoria do ministro Eros Grau, que “a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal”. A regra de que os serviços postais e de correio aéreo nacional devem ser mantidos pela União está no artigo 21, X da Constituição da República Federativa do Brasil. Note-se que há, no mesmo artigo, em outros incisos, outros serviços públicos, cuja outorga o constituinte autoriza expressamente ao setor privado. Não é o caso dos serviços postais e do correio aéreo nacional, que devem ser mantidos pela União.

Ao longo dos anos, tal exclusividade garantiu à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) um regime jurídico peculiar, com imunidade tributária recíproca, impenhorabilidade de bens, pagamento por precatório, características estas incompatíveis com a atividade empresarial do Estado e que reforçam o entendimento de que os serviços postal e aéreo brasileiro são serviços públicos exclusivamente prestados pela União por ordem constitucional.

Dessa forma, a lei não seria instrumento suficiente para propor as alterações promovidas e em discussão no PL 591/2021, apenas sendo possíveis tais alterações, nos termos propostos, após emenda constitucional que retirasse tal exclusividade da União federal, autorizando o regime de concessão. Ainda é necessário considerar que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos atualmente apresenta-se sob um regime cuja natureza não é de empresa estatal, mais se parecendo com o regime autárquico, regime este construído jurisprudencialmente, o que reforça a ideia de que tais serviços só poderiam ser prestados no modo de outorga, nos termos do PL 591/2021, caso fosse alterado o artigo 21, X da Constituição Federal por meio de emenda constitucional.

Ana Luiza Chalusnhak é professora de Direito Administrativo e Constitucional no Unicuritiba.

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