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A primeira-ministra sueca, Magdalena Andersson (à esquerda), recebe a primeira-ministra finlandesa, Sanna Marin, antes de uma reunião em Estocolmo, Suécia, em 13 de abril de 2022. As duas autoridades conversaram sobre os desenvolvimentos após a invasão russa da Ucrânia e a possível tentativa de adesão à OTAN.
A primeira-ministra sueca, Magdalena Andersson (à esquerda), recebe a primeira-ministra finlandesa, Sanna Marin, antes de uma reunião em Estocolmo, Suécia, em 13 de abril de 2022. As duas autoridades conversaram sobre os desenvolvimentos após a invasão russa da Ucrânia e a possível tentativa de adesão à OTAN.| Foto: EFE/EPA/PAUL WENNERHOLM

Uma das principais falhas na estratégia russa contra a Ucrânia foi a incapacidade de prever a reação da população das nações ocidentais após a invasão no território ucraniano e como seus líderes reagiriam a esse fato. Na visão do Kremlin, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) não teria capacidade de realizar uma ação coletiva e se tornaria mais fraca. Entretanto, o resultado real na OTAN foi justamente o contrário, pois o grupo tornou-se não apenas mais unido e coeso, mas também ganhou um objetivo claro: defender seus membros de futuras agressões promovidas pela Rússia.

A consequência mais clara e mais negativa para a Rússia está sendo a rápida mudança de mentalidade das populações da Suécia e da Finlândia, que agora apoiam massivamente a entrada de suas nações na organização (62% na Finlândia e 59% na Suécia). Ambos os países têm uma longa história de não alinhamento e neutralidade em segurança e defesa. Embora suas histórias com a Rússia não sejam isentas de conflitos violentos, e as estratégias e declarações de política externa de ambos tenham sido claras sobre a ameaça russa, a Finlândia e a Suécia optaram, até então, por permanecer militarmente fora da OTAN, mesmo apesar de contribuírem com debates, tecnologia e participação em treinamentos.

Com as líderes dos dois países – Sanna Marin, da Finlândia, e Magdalena Andersson, da Suécia – deixando claro que tais discussões estão “sobre a mesa” e avançam diariamente, a tensão com a Rússia aumenta, e isso já se mostra um desastre para a política externa e de defesa russa.

Finlândia e a Suécia têm militares profissionais de alta qualidade e com capacidade avançada no mar, em terra e no ar. A Finlândia está adquirindo 64 unidades do jato de caça americano F-35, e a Suécia é produtora do caça Gripen, o mesmo adquirido pela Força Aérea Brasileira, de modo que o poder militar aeronáutico dessas nações é de ponta, de última geração, considerado um dos melhores da Europa do ponto de vista de tecnologia de defesa. Se a Finlândia se juntar à OTAN, a fronteira terrestre da aliança militar ocidental com a Rússia – agora considerada inimiga – passará de 1,3 mil quilômetros para 2,6 mil quilômetros, o que seria um pesadelo para a estratégia russa e suas intenções.

A consequência mais clara e mais negativa para a Rússia está sendo a rápida mudança de mentalidade das populações da Suécia e da Finlândia, que agora apoiam massivamente a entrada de suas nações na OTAN

Segundo Jacob Wesberg, professor da Universidade de Defesa Sueca, “a Finlândia ainda tem o serviço militar obrigatório e estaria em condições de mobilizar um exército de 280 mil soldados para qualquer ação de emergência. É um exército bastante numeroso na Europa moderna”. Além disso, a Finlândia tem outros 900 mil soldados na reserva, o que tornaria a OTAN ainda mais equipada militarmente. A Suécia não tem fronteira direta com a Rússia, mas, se também aderir à aliança, facilitará as operações da OTAN no Mar Báltico, pois todos os países da costa báltica, com exceção da própria Rússia, fariam parte da aliança ocidental. O desastre geoestratégico russo seria avassalador, e isso tornaria a Rússia ainda mais isolada.

Neste contexto, e temendo as consequências imediatas dentro do conflito na Ucrânia, a Rússia ameaça novamente o mundo com o envio de mísseis nucleares para a região das nações bálticas, escalando o conflito para o norte da Europa e claramente tentando ameaçar as decisões de nações soberanas, como a Finlândia e a Suécia, impedindo-as de decidir sua própria política de defesa. Essas nações são mais ricas, poderosas e influentes que a Ucrânia, e um conflito diplomático ou militar com elas geraria desdobramentos completamente diferentes dos que vemos nos arredores de Kiev.

Neste ponto, existe outra fundamental falha no pensamento estratégico russo que nos leva a duas indagações: dado o histórico de conflito com essas nações bálticas, em especial com a Finlândia, esperava-se mesmo que elas ficassem inertes após tamanha aventura expansionista de Moscou? O presidente Putin e o chanceler Lavrov não conseguiram prever que não apenas elas, mas também outras nações, sentir-se-iam ameaçadas ao ponto de buscar aliar-se a nações ocidentais por temer serem as próximas vítimas de incursões militares?

O presidente da Lituânia, outra nação báltica, ocupada pelos soviéticos no passado e hoje membro da União Europeia e da OTAN, afirma que a Rússia já tem armas nucleares na região e as novas ameaças seriam apenas uma estratégia vazia de uma nação cada vez mais isolada. O fato é que o Kremlin já se prepara para aumentar suas defesas no norte do país, temendo uma imediata entrada da Suécia e da Finlândia na OTAN, o que de fato transforma qualquer suposta vitória na Ucrânia em algo de pouco valor.

Mesmo que não haja disputas territoriais com a Finlândia e a Suécia, o que faria a ascensão dessas nações à OTAN ser vista de maneira diferente pelos russos, o fato é que as fronteiras russas ficam ainda mais cercadas pela OTAN e com mais bases americanas próximas ao território russo, ampliando a força geopolítica do Ocidente no leste europeu. Por outro lado, não deixa de ser uma escalação do conflito na Europa e mais um fator que dificulta o fim da guerra na Ucrânia no curto prazo. Entretanto, é importante lembrar que essa será, de fato, uma derrota para a Rússia caso essas nações confirmem sua participação no grupo e venham a retirar seu status de neutralidade. Ao mesmo tempo, essa será, talvez, uma das maiores mudanças geopolíticas do século 21.

Igor Macedo de Lucena, economista e empresário, é doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa e membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política.

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