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Pelo ângulo econômico, o entendimento da escolha de Lula pelos eleitores brasileiros pode ser obtido por intermédio do exame dos efeitos do tripé formado por câmbio apreciado, Programa Bolsa-Família e reajustes reais do salário mínimo, com desdobramentos positivos sobre a massa de rendimentos e o potencial de consumo da população mais pobre, conformando vigorosos elementos de uma cesta de bondades.

Isso porque, a produção de permanente defasagem cambial pela política de atração de capitais especulativos, viabilizada pela prática de juros reais elevados (bastante superiores à remuneração do capital de risco), sufoca as pressões inflacionárias devido ao incremento das importações e ao barateamento dos preços dos produtos da cesta básica e, por extensão, ao aumento do poder de compra da população, ocasionado quando da conversão doméstica da precificação internacional daqueles produtos, em clima de dólar depreciado e real sobrevalorizado.

Para complementar o coquetel econômico, a transferência direta de renda implícita no Bolsa-Família, desvinculada da formulação e adoção de estratégias consistentes de geração de emprego e renda e de abrandamento estrutural das mazelas sociais, e a expansão das despesas governamentais e da oferta de crédito consignado possuíram a capacidade de assegurar uma densidade eleitoral superior a 40 milhões de votos.

No fundo, o comportamento da administração Lula reproduz a maximização do processo de alianças estratégicas celebradas entre os governos e a população mais pobre, amparadas por distintas políticas de rendas e/ou de drástica redução do imposto inflacionário para patamares anualizados inferiores a um dígito.

Esse procedimento representou uma das características da orientação econômica em época de redemocratização do país, que foram inauguradas na gestão do presidente Sarney, em fevereiro de 1986, com a edição do Plano Cruzado e a elevação dos salários reais, e continuadas por Fernando Henrique Cardoso (FHC), mediante a recuperação da demanda reprimida e o regaste da noção de valor proporcionadas pela Unidade Real de Valor (URV), criada em março de 1994 e transformada em nova moeda (o real), em julho do mesmo exercício.

Em tempos passados, tal fenômeno ficou conhecido como populismo redistributivista, especialmente quando coincidiram com a ocupação do poder político da nação por Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart, figuras comprometidas com a inserção social das categorias secularmente excluídas da trajetória de crescimento econômico do país, especificamente no tocante aos ganhos de produtividade da industrialização por substituição de importações.

Por essas razões, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a renda do trabalhador brasileiro aumentou 4,6% em 2005 em relação a 2004, depois de dez anos consecutivos de perdas, fazendo o índice de Gini (indicador de desigualdade) recuar de 0,547 para 0,544, atingindo o menor patamar desde 1981, sendo 0,673 em 1995. Ainda assim, o rendimento do trabalho situou-se mais de 15% abaixo do registrado em 1996.

É inegável a influência expressiva das transferências públicas e das majorações reais do SM na atenuação das mazelas fora e dentro do mercado de trabalho no Brasil. Mas, enquanto o SM constitui fator essencial para a multiplicação de mercados para diferentes atividades, as ações sociais devem ser encaradas como tópicas, ou elementos de hospedagem dos excluídos para a passagem ao balcão das oportunidades de ocupações derivadas do crescimento econômico.

A retaguarda desse processo residiria em estratégias governamentais de educação, capacitação profissional, saúde e habitação em ambientes de acirramento da competição pelos recursos públicos por diferentes segmentos da sociedade, representando, de forma legítima, os interesses dos trabalhadores, desempregados e empresários.

Incursões mais aprofundadas sobre os dados da PNAD permitem constatar avanços pífios no processo de desconcentração da renda no Brasil. Em 2005, os integrantes do cume da pirâmide social (os 10% mais ricos) auferiam rendimento médio mensal 42 vezes superior ao recebido pelos componentes do piso (os 10% mais pobres, ou o público alvo das políticas sociais compensatórias), contra 44 vezes em 1995.

Outro sinalizador da concentração de renda pode ser encontrado em estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo (USP). Esse demonstra que a sangria derivada da pressão exercida pela carga de impostos, entre 1996 e 2004, atingiu de forma mais intensa a população mais pobre, em decorrência principalmente da incidência dos itens indiretos sobre os rendimentos, especialmente IPI, ISS, ICMS, Cofins, PIS, entre outros representativos de uma classe "invisível" e/ou pouco perceptível no fluxo de caixa das famílias.

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