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O que o governo quer com mais uma MP do Código Florestal?
| Foto: Michel Willian/Gazeta do Povo

Ao ler o texto da Medida Provisória 884, de 14 de junho, nossa reação, no primeiro instante, foi de esfregar os olhos. Era aquilo mesmo que estava no papel? Mas, quando ampliamos o texto na tela do celular, não tivemos dúvida. Pela MP, o parágrafo 3.º do artigo 29 do Novo Código Florestal, passa a vigorar com a seguinte redação: "A inscrição no CAR será obrigatória para todas as propriedades e posses rurais".

Ora, mas esse já era o regime jurídico que estava vigorando desde a última vez em que a lei foi alterada, ainda na vigência da MP 867, que acabou de ter sua votação recusada pelo Senado Federal. Em outras palavras: temos uma medida provisória que não muda em absolutamente nada o Código Florestal.

Desde o fim do ano passado as sucessivas prorrogações de prazo para inscrição no Cadastro Ambiental Rural, feitas por governos anteriores, haviam expirado. A última MP, editada ainda no governo Temer, não prorrogou o prazo do CAR, mas apenas o prazo para adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Assim, nos termos da lei, aqueles proprietários rurais que ainda não apresentaram seus CARs estavam infringindo a lei florestal e sujeitos, ao menos, ao disposto no artigo 78-A, que veda o acesso ao crédito rural junto às instituições financeiras.

O plenário da suprema corte decretou a constitucionalidade da nova legislação florestal brasileira

Ou seja, numa conclusão muito rápida, a MP 884/2019 não muda nada em termos jurídicos na Lei 12.651/2012, que veicula o Novo Código Florestal. E só por esse motivo a MP já seria inepta no nascimento, eis que a autorização para edição de MPs dada pela Constituição é para legislar sobre matérias urgentes e relevantes. Em outras palavras, a MP 884/2019 é um nada jurídico, pois o seu texto nada mais fez do que manter algo que já vigorava desde o ano passado.

Em termos jurídicos, quando nos deparamos com coisas deste tipo, a primeira coisa que vem à mente é a inabilidade do legislador e o completo desconhecimento daquilo que, em Direito, chamamos de "interpretação sistemática". Afinal, não se pode interpretar o artigo 29 e seus parágrafos de forma isolada. É preciso fazer a leitura do artigo 78-A, do mesmo Código, que diz o seguinte: "Após 31 de dezembro de 2017, as instituições financeiras só concederão crédito agrícola, em qualquer de suas modalidades, para proprietários de imóveis rurais que estejam inscritos no CAR". Ou seja, o prazo para o CAR volta a ter o limite fixado no artigo 78-A. Os defensores do texto poderão dizer que esse dispositivo só se aplica a quem busca financiamento para a produção. Mas aí estamos falando da quase totalidade da produção brasileira. Isso sem contar que o próprio setor do agronegócio e órgãos do governo têm anunciado que só uma pequena parte (cerca de 5%) das propriedades brasileiras ainda não teria se cadastrado.

Ora, então qual seria a razão para a edição de medida provisória desse tipo? Realmente, é bastante estranho.

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Os movimentos políticos já no dia seguinte à emissão da MP dão sinais de que ela vai ser questionada no Supremo Tribunal Federal. Aí podemos tirar uma outra leitura, mais política que jurídica: após o Senado deixar caducar, dias atrás, a MP 867, aprovada na Câmara, com alterações no artigo 68 do Código Florestal, essa nova MP, ao que parece, seria uma espécie de artifício para que os deputados e senadores, durante a sua tramitação, pudessem apresentar emendas e ressuscitar a discussão acerca da flexibilização das regras do Código Florestal.

Um caminho que vai levar a mais judicialização. Uma pena, pois acabamos de ver o STF, em 2018, encerrar uma discussão que se arrastava desde 2012, quando o Novo Código foi publicado. O plenário da suprema corte decretou a constitucionalidade da nova legislação florestal brasileira.

E, mais uma vez, em vez de abraçarmos a nova lei e fazê-la sair do papel, estamos alterando-a, mexendo em seu texto e já prevendo novas judicializações sobre o tema.

Vamos ficar atentos aos próximos passos e torcer para que possamos avançar nessa questão. Será bom para o meio ambiente, será bom para o setor produtivo, será bom para o Brasil.

Evandro A. S. Grili é advogado especializado na área de Direito Ambiental.

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