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| Foto: Mandel Ngan/AFP

Tudo indica que o conselho especial de Robert Mueller entregará em breve um relatório ao novo procurador-geral, William Barr. Claro que ainda há muita atividade, incluindo a emissão de intimações, mas isso não impede a produção do documento conclusivo.

É pouco provável que seja volumoso como um dicionário, o que deve decepcionar alguns, mas tamanha concisão não implica necessariamente que o presidente esteja a salvo. De fato, é exatamente o contrário.

Há meses os advogados de Trump tentam desabonar Mueller e seu trabalho, mas todos os seus esforços foram em vão. Um parecer conciso pode representar um “mapa da mina” a guiar a Câmara, agora de maioria democrata – e levar outros promotores a novas investigações. Ele marca o fim do início, e não o início do fim.

Para começar, a avaliação não deve ser longa por padrão: segundo as regras do conselho especial, que tive o privilégio de ajudar a cunhar, em 1999, o relatório deve ser conciso, um “resumo” apenas do que se descobriu. Além disso, o poder de ação de Mueller se limita apenas às questões referentes a atividades criminosas e de contrainteligência envolvendo a Rússia e as eleições de 2016, bem como qualquer obstrução da justiça relacionada a essas investigações.

As diretrizes também determinam que o procurador-geral entregue um relatório ao Congresso. Elas abordam a necessidade de garantir a confiança do público na administração da justiça e incluem até uma cláusula sobre a divulgação do tal documento. Em um mundo onde Mueller fosse o único investigador, a pressão para a exposição pública de um material abrangente seria insuportável.

Até o momento, não foi aberto nenhum inquérito de impeachment

E é aí que as acusações de que Mueller estaria promovendo uma “caça às bruxas” podem ter sido um espetacular tiro pela culatra. Ao longo de um ano e sete meses, Donald Trump e sua equipe brigaram por um único objetivo, o da jurisdição limitada; acontece que agora a investigação se parece muito com a arquitetura da internet, com vários núcleos diferentes, alguns com potencial de jurisdição ilimitada. Seus poderes e abrangência vão muito além das atribuições de Mueller, chegando a um julgamento de Trump e à questão de ter mentido ou não ao povo norte-americano. Incluem também investigações que não têm nada a ver com a Rússia – para saber, por exemplo, se o presidente orquestrou graves crimes financeiros de campanha, como os promotores do Southern District, em Nova York, já afirmaram nos autos. Todos esses são pontos críticos, cada um com fundamentos factuais já revelados pela promotoria.

Se Trump e sua camarilha não tivessem feito nada de errado, não teriam o que temer do conselho especial, pois é extremamente difícil fazer acusações formais a esses tipos de crimes, e um documento de Mueller que os isentasse seria um selo de aprovação indiscutível. Entretanto, o comportamento do presidente – sobretudo sua intenção iminente de anistiar as testemunhas da investigação – torna a exoneração integral pouco provável. Como se isso não bastasse, a investigação foi travada pelo fato de as pessoas mais próximas a Trump mentirem várias vezes em relação à Rússia (a lista é longa, e inclui Michael Flynn, Paul Manafort e Roger Stone).

Se é possível pelo menos imaginar o conselho especial resolvendo cada instância da investigação e divulgando todas as informações em detalhes? Claro. Mas também é possível – e mais provável – que os ataques de Trump a Mueller levem este a produzir um relatório enxuto, obedecendo às regras, para gerar outras investigações. E as críticas também podem ter estimulado o conselheiro a atribuir as questões a outros investigadores que não tenham sofrido o mesmo tipo de linchamento público.

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A Câmara já começou sua investigação. E, para compreender os perigos que o presidente pode enfrentar com o relatório de Mueller, vale lembrar o pedido feito pelo Congresso a Leon Jaworski, ao abrir o inquérito de impeachment, em 1974. Jaworski ocupava posição análoga à de Mueller – aliás, sua indicação serviu de modelo para o código de regras da comissão. Em março daquele ano, Peter Rodino, presidente da Comissão Judiciária da casa, escreveu a Jaworksi pedindo todas as informações obtidas com sua investigação, pois entendia que as atribuições do conselheiro eram muito mais limitadas que as da instituição que dirigia. “Seria impensável impedir que esse material chegasse à Câmara dos Deputados no decorrer do cumprimento de sua responsabilidade constitucional mais extraordinária”, disse na carta.

Sabemos todos que, até o momento, não foi aberto nenhum inquérito de impeachment, mas isso pode mudar em um instante se Mueller preparar um documento que não exima o presidente integralmente, pois o Congresso se veria na obrigação constitucional de investigar os fatos por si. Não pode simplesmente achar que crimes passíveis de impedimento não foram cometidos – já que as atribuições do conselheiro não abrangem esse tipo de investigação – se seu relatório não oferecer informações e respostas aos poucos delitos que estão ao seu alcance. É nesse ponto que o comportamento de Mueller, seguindo as regras à risca, pode, a princípio, ser decepcionante para os críticos de Trump, mas, sem dúvida, mais ameaçador para o presidente no longo prazo.

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As investigações concomitantes feitas por entidades diferentes de vários níveis do governo, abrangendo a geografia e até governos diferentes (como a da Procuradoria-Geral de Nova York sobre a Fundação Trump), impedem que qualquer um ponha fim às investigações, até mesmo Barr.

Essa notícia pode ser decepcionante, por vários motivos, tanto para os críticos como para os defensores de Trump, mas indica um bom resultado final. Significa que a verdade será revelada – não no momento que esse ou aquele quiser, mas ela virá à tona. Por isso, não pense que o episódio estará encerrado quando Mueller entregar seu relatório. Como no princípio “o rei está morto, viva o rei”, as investigações aqui servem a um propósito que transcende um único indivíduo ou entidade. Essa é a arquitetura da nossa Constituição, criada para desmascarar transgressões no alto escalão do poder por intermédio de vários canais, diante dos olhos do cidadão norte-americano.

Neal K. Katyal foi procurador-geral em exercício durante o governo Barack Obama e é professor de Direito em Georgetown.
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