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| Foto: Jim Young/AFP

Dias antes do lançamento do livro de memórias de Michelle Obama, Minha História, fui dar uma espiada em sua imagem, exposta na Galeria Nacional de Retratos, para refletir sobre seu papel mutante na vida pública e conversar com outras mulheres que estava lá para fazer o mesmo.

A publicação, lançada em 13 de novembro, funciona como um convite pessoal à sua vida, mais que qualquer outro que já tenha feito. As críticas iniciais elogiam o fato de ter mencionado o aborto espontâneo que sofreu e a fertilização in vitro a que apelou para combater o estigma relacionado aos problemas reprodutivos que nunca são abordados, especialmente entre as negras.

Ao me aproximar de sua imagem como foi representada por Amy Sherald, ela me encarou, a mão escondida sob o queixo, um ar irônico, mas nada convidativo. Em um contraste gritante com o livro, digamos que essa não seja a representação da primeira-dama em seu momento mais acessível.

O que não impede a forte identificação das mulheres com quem conversei no museu. Ali, com a figura Michelle pairando pouco acima de seus ombros, elas se repetem, com uma admiração explícita, classificando-a como “bonita”, “inspiradora” e “superimportante”. E perdi a conta das vezes que ouvi “Adoro-a”, “Que mulher deslumbrante” ou “Que falta ela faz”.

Embora desse a impressão de ter tudo, ela parecia pouco interessada em perpetuar o mito de que esse conceito fosse possível

A marca da transparência presente na obra – a mesma que ela teve que controlar durante seu tempo na Casa Branca – nos faz lembrar daquilo que fez com que mulheres de todos os tipos, idades e estilos de vida tenham desenvolvido um carinho tão especial por ela.

Muito antes do lançamento de Minha História, ela às vezes dava a entender o conflito que havia sob a superfície calma. No comecinho do primeiro mandato de Barack Obama, parecia profundamente apaixonada, ainda que vagamente insatisfeita, sujeita a uma especulação pública que nunca quis, em uma posição que muitas vezes talvez tenha dado uma sensação de meio restritiva para alguém que estudou Direito em Princeton e Harvard.

Embora desse a impressão de ter tudo, ela parecia pouco interessada em perpetuar o mito de que esse conceito fosse possível. Levar a mãe para a Casa Branca para ajudar a cuidar das filhas foi uma confissão mais que pública de que não só precisava de ajuda, como preferia que essa viesse de alguém que sabia que a ajudaria a se manter reconhecível a si mesma, mesmo quando se transformava no tipo de figura cujo retrato atrairia verdadeiras multidões de admiradores a uma das alcovas do terceiro andar da Galeria.

Tudo isso é subtexto para o grupo de amigas que olha para o retrato de Michelle e diz, em tom de brincadeira: “Olha aí a nossa rainha!”. Tudo faz parte do que leva irmãs de meia-idade e mães com filhas novinhas a apontar os smartphones para a pintura até que cada uma obtenha a própria imagem perfeita.

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Camryn Redding, 14 anos, de Baltimore, revelou sentir-se inspirada. “É demais alguém como eu poder estar em um museu como esse. Mostra bem que não é só para gente de pele clara; é para mim também. Eu acho que ela é um símbolo de empoderamento, um superexemplo para as mulheres negras de todo o mundo. Sem contar que fez coisas incríveis na Casa Branca enquanto esteve por lá.”

Os visitantes a descrevem nos termos já familiares das postagens que chovem sobre ela nas redes sociais: “majestosa”, “elegante” e “simplesmente perfeita”. Como Debra Storm de Lehigh, na Pensilvânia disse, “Por mais coisas por que Michelle Obama tenha passado, ela sempre se manteve elegante, perfeita, inteligente”.

E ganhou a interpretação etérea que vemos na parede evitando as picuinhas políticas sexistas e racistas ao longo de uma década. Através não só de sua sinceridade, como também suas conquistas, ganhou a adoração de todas essas mulheres.

“Eu adoro Michelle Obama. Essa mulher é uma inspiração para todas nós. Inteligente, classuda. É tudo que quero ser, que tenho vontade de ser”, se derrete Margaret Garcia, que saiu do Bronx. Algumas frases depois, vem o refrão: “Ela é tudo.”

O “tudo”, como o novo livro nos faz lembrar, tem muitas partes. Sim, inclui um comportamento exemplar e uma imagem impecável, mas Michelle não seria esse “tudo” sem um longo histórico do tipo de honestidade sobre as partes menos perfeitas de sua vida que renderam tantos elogios à autobiografia.

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Adoro a visão de Sherald, seu ar de capa de Vogue, altiva, majestosa, pensativa, mas também amo a primeira-dama lá do comecinho, sem muitas amarras e levemente propensa a gafes que, em ato falho em uma entrevista para a CBS, se descreveu como uma “mãe solteira muito atarefada”, antes de acrescentar rapidamente: “Às vezes, com um marido presidente, tenho a impressão de ser sozinha, mas sei que ele está lá!” E também morro de paixão pela versão atual, da mulher que revela – não deixando escapar, mas sim intencionalmente, nas letras impressas – que ser mãe nem sempre é fácil.

De fato, nada foi fácil para Michelle Obama; ela é que manteve a dignidade sob pressão, para fazer parecer que foi assim. Durante os primeiros quatro anos em Washington, de vez em quando mostrava que o papel de primeira-dama, quando cumprido régia, elegante e perfeitamente, podia ser exaustivo, exasperante e solitário. Ao fim do segundo mandato do marido, porém, deslizava pelo palco dos comícios de campanha de Hillary Clinton repetindo aquele que seria um dos bordões mais populares de 2016: “Eles apelam, mas nós não precisamos disso”, assumindo a persona da primeira-dama com a naturalidade de uma segunda pele.

Michelle amadureceu e se adaptou tão bem que é fácil esquecer – ou talvez seja mais fácil ter à mão um livro para nos refrescar a memória – das dificuldades e dores que um processo como esse acarreta.

Stacia Brown é escritora e criadora/apresentadora dos podcasts The Rise of Charm City e Hope Chest.
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