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Decorridos mais de seis meses da data da sua aprovação, finalmente foi instalada no Senado Federal a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, destinada a apurar supostas irregularidades envolvendo a transferência de recursos públicos do governo federal para organizações não-governamentais, no período de 1999 a 2006.

Estima-se que nos últimos oito anos, mais de 40 bilhões de reais foram direta ou indiretamente repassados a ONGs, por órgãos e entidades da Administração Pública Federal.

Auditorias recentemente realizadas pelo Tribunal de Contas da União-TCU constataram que a maior parte desse dinheiro foi transferido a ONGs desprovidas de qualquer capacidade técnico-operacional para desenvolver, com eficiência e custos menores que os da máquina administrativa, as atividades que justificaram a parceria com a União Federal. O TCU comprovou ainda que para a escolha das ONGs não foram observados critérios objetivos, alinhados em um transparente processo de seleção pública. Insinua-se, assim, que o critério eleito pelo governo vem sendo o de afinidade político-partidária, em flagrante desrespeito à Constituição de 1988. Além disso, detectou-se a inexistência de controle de resultados dessas parcerias, em que fosse possível comprovar que a aplicação dos recursos financeiros pelas ONGs ocorreu nas atividades que justificaram a referida transferência.

Com efeito, o Senado Federal tem muito trabalho para os próximos 120 dias, prazo final para que seja apresentado pela CPI o relatório final e conclusivo a respeito dessas investigações.

Mas, afinal, a quem cabe fiscalizar e controlar as ONGs no Brasil?

A criação de ONGs deve ser vista como resultado do exercício do direito constitucional à liberdade de associação (art. 5.º, inc. XVII), desde que os objetivos dessa associação não estejam relacionados a fins ilícitos.

Nesse caso, haveria a criação de verdadeiras quadrilhas especializadas em dilapidar o patrimônio público, e não de uma autêntica ONG. Por isso a Constituição permite, tanto a suspensão das atividades dessas entidades, quanto a decretação judicial de sua extinção (art. 5.º, inc. XIX).

A lei brasileira determina que cabe ao Ministério Público fiscalizar e controlar as ONGs, sejam elas associações ou fundações; recebam elas dinheiro público ou dinheiro privado. Entretanto, é o próprio Ministério Público que sustenta não ter pessoal suficiente ou condições mínimas para realizar esse trabalho, pois estima-se que no Brasil haja mais de 300 mil ONGs atualmente em funcionamento.

Por lei, os Tribunais de Contas também são obrigados a fiscalizar a atuação de ONGs, mas somente daquelas entidades que recebam recursos públicos. Geralmente, a fiscalização é feita por amostragem, e decorre de denúncias feitas por cidadãos, partidos ou outras ONGs, uma vez que estes órgãos também não detêm infra-estrutura adequada ou pessoal especializado para arcar com esta tarefa.

Quando os governos decidem encaminhar recursos financeiros a ONGs, essas transferências somente poderiam ser concretizadas após a escolha pública da melhor entidade, sob o ponto de vista técnico e gerencial. E mesmo após a seleção da melhor entidade, o controle deveria ser extremamente rígido, para que se pudesse avaliar se a ONG está aplicando o dinheiro público na atividade social que justificou este repasse. Mas este controle interno, a cargo dos governos e das prefeituras, também não é efetivo.

A preservação da boa imagem do Terceiro Setor depende da apuração das ilegalidades apontadas, e têm por finalidade extirpar da sociedade entidades que se auto-intitulam ONGs, mas que não passam de falsas ONGs ou ONGs laranjas, criadas com finalidades ilícitas.

Por isso aguarda-se com muita esperança os resultados das investigações da CPI das ONGs no Senado Federal, assim como entende-se ser desejável a edição de leis mais rígidas e previsão de sanções mais severas a todos aqueles que estão acostumados a ludibriar a boa-fé e a confiança dos cidadãos brasileiros, aproveitando-se inescrupulosamente do patrimônio público.

Gustavo Justino de Oliveira é doutor em Direito do Estado pela USP, preside a Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB-PR. É vice-presidente do Instituto Brasileiro de Advogados do Terceiro Setor e diretor da Revista de Direito do Terceiro Setor – RDTS (Editora Fórum).

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