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| Foto: José Cruz/Agência Brasil

No apagar das luzes do ano judiciário, quando deveriam imperar a ordem, a paz social e a segurança jurídica, a sociedade brasileira foi surpreendida por uma decisão unipessoal do ministro Marco Aurélio Mello, possibilitando a soltura de presos que tenham sido recolhidos após o julgamento de segunda instância, ainda sem trânsito em julgado condenatório. Ou seja, o referido pronunciamento singular rompe com o paradigma firmado no plenário do Supremo – que autorizou o cumprimento antecipado da pena –, incorrendo em potencial violação ao primado da estabilidade das decisões constitucionais e do postulado da colegialidade que funda a razão de ser dos tribunais.

Sabidamente, a jurisprudência não é feita de pedra, embora vise uma longeva existência concreta. Logo, à luz do dinamismo frenético das sociedades contemporâneas, é absolutamente possível a eventual revisão de entendimentos jurisprudenciais que se mostrem superados pela marcha dos acontecimentos. Na lição invulgar de João Mangabeira, “a Constituição é um instrumento de vida e não um sudário de morte”. No entanto, para dar vida ao texto da lei, a chamada técnica do prospective overruling – que norteia o processo de mutação jurisprudencial – deve ser usada excepcionalmente como uma via de aperfeiçoamento civilizatório, jamais como um retrocesso institucional.

O STF é uma instituição do Brasil, cuja autoridade está acima de toda e qualquer autoridade passageira

Analisando o papel estabilizador das decisões constitucionais do colendo STF, há pronunciamento paradigmático que, com precisão e rigor, afirmou que os “precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal desempenham múltiplas e relevantes funções no sistema jurídico, pois lhes cabe conferir previsibilidade às futuras decisões judiciais nas matérias por eles abrangidas, atribuir estabilidade às relações jurídicas constituídas sob a sua égide e em decorrência deles, gerar certeza quanto à validade dos efeitos decorrentes de atos praticados de acordo com esses mesmos precedentes e preservar, assim, em respeito à ética do Direito, a confiança dos cidadãos nas ações do Estado” (MS 26603/DF, tendo como relator o ministro Celso de Mello, 4 de outubro de 2007). Quanto ao ponto, nada mais é preciso dizer.

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Indo adiante, o caso também chama atenção pela própria inadequação do meio utilizado, desprezando-se o princípio da similaridade das formas, que procura garantir a unidade sistêmica dos mecanismos de abertura e fechamento da ordem jurídica justa. Em outras palavras, se o objetivo da decisão era reverter o entendimento do pleno, caberia ao plenário do STF – e só a ele – deliberar sobre temas já decididos colegiadamente. Sem cortinas, a possibilidade processual de lavraturas de decisões monocráticas não autoriza a invasão de competências plenárias exclusivas que exigem pronunciamento unânime ou majoritário da corte.

Mas e se houver urgência na medida judicial intentada?

Que o tribunal, então, se reúna urgentemente e cumpra com o seu dever jurisdicional. Agora, o Supremo não é meu, nem do leitor. O egrégio Supremo Tribunal Federal é uma instituição do Brasil, cuja autoridade está acima de toda e qualquer autoridade passageira. Em vez de atomizar a corte, precisamos de pautas e atitudes que garantam a sua orgânica institucionalidade, elevando o alto tribunal aos olhos dos cidadãos de bem que acreditam na realização da justiça e no império da lei.

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado, vice-presidente da Federasul/RS e conselheiro do Instituto Millenium.
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