• Carregando...

Um dos aspectos fundamentais da composição política do país é a separação dos poderes. Pela forma prevista na Constituição, os poderes ou deveres do Estado se dividem em três grandes núcleos de atribuições: (i) editar as leis – Poder Legislativo; (ii) solucionar conflitos – Poder Judiciário; (iii) administrar conferindo concretude às leis – Poder Executivo. São atribuições ou competências que se exercem com prioridade, porém sem exclusividade, pois o Poder Judiciário também pratica atos de administração e legisla (por exemplo, quando adquire bens); o Poder Executivo também legisla e julga (por exemplo, quando edita medidas provisórias) e o Poder Legislativo também julga e administra.

Há, contudo, espaços jurídicos que são invioláveis por um determinado Poder ao qual a Constituição não reservou expressamente a competência. Um desses espaços é o de realizar assistência social, de competência do Poder Executivo, nos termos dos artigos 203 e seguintes da Constituição Federal. Prestar assistência social a quem dela necessitar é atribuição do Poder Executivo, que a exercerá mediante ações governamentais (programas de governo) custeados com recursos do orçamento da seguridade social, com base na descentralização político-administrativa e participação da população na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis federados. Só se pode concluir, portanto, que as ações assistencialistas realizadas por membros do Poder Legislativo (deputados e vereadores) constituem exercício ilegítimo de atribuição exclusiva do Poder Executivo, gestor dos recursos do orçamento da seguridade social.

A ação parlamentar direcionada à assistência social deveria se limitar à edição de leis contendo programas para serem cumpridos pelo Poder Executivo. O assistencialismo, sob qualquer forma, praticado por parlamentares com dinheiro público é ilegítimo. A aquisição por parlamentares e posterior doação aos necessitados de cadeira de rodas, óculos, roupas e outros bens de consumo viola diversos princípios constitucionais. Viola o princípio da separação harmônica de poderes porque a assistência social compete ao Poder Executivo. Viola o princípio da isonomia em relação a potenciais candidatos a cargo eletivo, porque constitui forma de angariar prestígio e votos junto à comunidade com o uso de dinheiro público. Viola ainda o princípio da isonomia, porque os bens são doados mediante discriminação entre os necessitados sem amparo em critérios objetivos. Viola o princípio da impessoalidade, pois as ações assistencialistas são prestadas mediante critérios subjetivos do parlamentar, para favorecer pessoas que retribuirão com votos. Viola o princípio da moralidade administrativa, pelo uso de dinheiro público com o objetivo de angariar prestígio pessoal junto à comunidade.

O argumento repetido à exaustão de que o povo é carente e necessita do apoio dos parlamentares não se sustenta e constitui mera retórica esvaziada de conteúdo jurídico válido – lembre-se de que necessitados não são apenas os que batem nos gabinetes parlamentares, mas parcela muito maior da população. A ajuda a esse pequeno universo de pessoas pode ser feita validamente pelo parlamentar com recursos próprios. Se o parlamentar pretende realizar com dinheiro público ações de assistência social legítimas sob o ponto de vista constitucional poderá (i) editar leis para orientar as ações do Poder Executivo; (ii) redimensionar o orçamento do Poder Legislativo, retirando da proposta orçamentária o valor que seria destinado à assistência social, que deve ser redirecionado para o orçamento da seguridade social para execução futura pelo Poder Executivo, o que se dará mediante critérios objetivos e isonômicos mediante programas de governo legalmente previstos.

José Anacleto Abduch Santos é advogado,procurador do estado, mestre e doutorando em Direito Administrativo pela UFPR e professor do Unicuritiba.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]