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Nos nossos dias a ética é a esfera pública da moralidade – muitas vezes bastante próxima do direito. É nesse contexto de debate público que a objeção de consciência precisa ser devidamente avaliada

A objeção de consciência pode ser compreendida como uma não adesão consciente a uma norma dada, ou seja, uma recusa a cumprir uma determinada norma por razão de consciência. Trata-se, portanto, de um conflito ético no sentido de que há uma percepção de que os valores da norma estabelecida e os valores morais da pessoa estão indicando valores diversos, não raramente opostos.

A questão da moralidade da objeção de consciência nos pede uma reflexão sobre a obediência. Há moralidade na obediência? Como a obediência pode ser compreendida? Defendemos que o significado da obediência é "prestar atenção" à norma dada, numa atitude de docilidade aos valores do grupo de pertença e às normas sociais. Deste modo é moral a "obediência consciente", em que a pessoa com consciência e liberdade – portanto, com condições de assumir responsabilidade – assume, respeita e cumpre a norma. Nesse sentido desobedecer é "não prestar atenção à norma". Por outro lado, a obediência cega é imoral, pois ocorre quando a pessoa cumpre uma norma simplesmente porque ela foi estabelecida, sem "prestar atenção" a ela, ou cumpre a norma mesmo quando ela indica valores com os quais não concorda em consciência.

Assim sendo, a objeção de consciência é direito da pessoa e salvaguarda princípios morais inalienáveis: o respeito à autonomia plena e consciente da pessoa e a sua liberdade. Essa valorização da objeção de consciência não pode esconder, nem se fundamentar em caprichos pessoais, subjetivismos nem intransigente obstinação. Por isso ela precisa ser temperada pela apresentação dos valores em questão, explicitação dos motivos pessoais e criativa abertura ao diálogo. Ou seja, ela não pode se dar a partir de expressões "eu acho que", "é a minha opinião" ou "não quero saber o que os outros pensam".

Podemos dizer que nos nossos dias a ética é a esfera pública da moralidade – muitas vezes bastante próxima do direito. É nesse contexto de debate público que a objeção de consciência precisa ser devidamente avaliada. Por isso a pessoa que alega objeção de consciência para não aderir a uma determinada norma precisa estar preparada para: a) abandonar o "eu acho que" e indicar os valores que defende a partir de uma determinada tradição moral que assume como própria; b) abandonar o "na minha opinião" e apresentar os argumentos de razoabilidade e possíveis apelos grupais e sociais do valor que defende; c) abandonar o "não quero saber o que os outros pensam" e se abrir para o diálogo "prestando atenção" às razões apresentadas pelo grupo e pela sociedade.

Evidentemente que essa reflexão não encerra o assunto, mas apenas aponta alguns elementos necessários para o início do debate. Muitas perguntas precisam ser respondidas e muitas delas poderiam ser dirimidas no contexto da bioética se houver a percepção de os princípios – não maleficência, beneficência, autonomia e justiça – precisam ser colocados numa certa hierarquia. Seria aceitável alguém – apelando para a própria autonomia – causar o mal a terceiros? Seria aceitável alguém – alegando defender um bem pessoal – ser conivente com a injustiça? No mundo da saúde esses conflitos são frequentes e o profissional de saúde precisa lidar com essas situações encarando-as de frente e a melhor saída é se convencer de que quando estamos diante de verdadeiros "conflitos morais" a solução ideal – ou a resposta certa – não é mais possível e o empenho todo precisa ser colocado numa outra direção: buscar a melhor solução ou até mesmo a menos dramática.

Mário Antônio Sanches, professor titular da PUCPR, é coordenador do Mestrado de Teologia. É doutor em Teologia com pós-doutorado em Bioética. E-mail: m.sanches@pucpr.br

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