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Felipe Lima

Começamos 2017, o ano em que o direito do consumidor estará em alerta. A vigência do Código de Defesa do Consumidor em breve completará 26 anos, mas os esforços na proteção do consumidor são muito anteriores a isso. As últimas décadas colecionaram inúmeras conquistas, até que, em 2016, parece que entramos na contramão do caminho que estava sendo seguido.

No fim do ano passado, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aprovou uma resolução modificando as regras para a prestação de serviços de transporte aéreo. A partir de 14 de março, as companhias aéreas não serão mais obrigadas a oferecer uma franquia mínima de bagagem, que hoje é de 23 quilos para viagens nacionais e de dois volumes de 32 quilos para viagens internacionais. Em absoluto prejuízo do consumidor, a medida fará com que tenhamos de pagar pelas bagagens despachadas, como se pudéssemos escolher se queremos viajar com ou sem elas. Não tardou para que o Senado aprovasse um projeto de decreto legislativo para revogar aquela resolução. A OAB, os Procons, o Ministério Público e associações de defesa do consumidor também se posicionaram contrários e preparam ações judiciais contra a nova resolução da Anac. O assunto promete render muitas e acirradas discussões em 2017.

O mercado é controlado por poucas e grandes empresas. Portanto, não há direito de escolha do consumidor

O mês de dezembro de 2016 reservou outras surpresas ao consumidor. O governo federal publicou uma medida provisória permitindo a diferenciação de preços para pagamentos em cartão de crédito e em dinheiro, contrariando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que já havia se posicionado sobre o tema, ao proibir a prática de preços diferenciados. Há tempos os fornecedores reclamam que o repasse do crédito demora cerca de 30 dias após a transação, o que prejudica as empresas. Na escolha entre os interesses do consumidor e do fornecedor, o governo federal inclinou-se em defesa deste.

Uma terceira notícia soma-se às anteriores. Trata-se da alteração da Lei Geral das Telecomunicações que modifica o regime de concessão para autorização. O projeto de lei já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, aguardando apenas a sanção do presidente da República. O que isso significa na vida dos consumidores? Prejuízos, e muitos. Em síntese, se o regime que trata das teles passar a ser o da autorização, haverá menor controle do poder público. Hoje, as teles, por serem concessionárias, são controladas pela Anatel; todavia, com o regime da autorização elas terão liberdade para decidir os preços que irão cobrar do consumidor.

E não é tudo. No fim de dezembro o presidente da República publicou outra medida provisória permitindo a alteração dos preços dos medicamentos a qualquer momento. Antes dessa medida provisória, o reajuste somente era autorizado uma vez ao ano, no fim de março, quando o governo divulgava o porcentual máximo de reajuste permitido.

O que todas essas perigosas mudanças têm em comum? O mercado é controlado por poucas e grandes empresas. Portanto, não há direito de escolha do consumidor. As empresas de telefonia, as companhias aéreas e as indústrias farmacêuticas, por exemplo, adotam práticas comerciais muito semelhantes entre si. Uma empresa de telefonia não é muito diferente da outra, pois não há concorrência efetiva entre elas. Quantas empresas de telefonia existem no Brasil? Quantas companhias aéreas prestam serviços aqui? Poucas. Infelizmente, as mudanças que chegam, mais uma vez, aprofundam o duplo aproveitamento econômico do cidadão: primeiro, aproveita-se do empregado que trabalha em grandes corporações, tendo de cumprir constantes metas para aumentar a produção; depois, aproveita-se do consumidor para aumentar os lucros. Não é difícil entender por que cada vez mais as maiores riquezas concentram-se nas mãos de tão poucos.

Marcelo Conrado é professor da Faculdade de Direito da UFPR.
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