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 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

O Procon de Fortaleza considerou “abusiva” a prática de certas pizzarias que, ao venderem uma pizza de dois sabores, cobravam o preço da mais cara, em vez de calcular um preço médio. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aprovou regra que “autoriza” empresas aéreas a cobrarem por bagagem despachada. O STJ proíbe preço maior para pagamento de compras efetuadas com cartão em relação às realizadas com dinheiro, ou o mesmo procedimento relacionando cartão de crédito com débito. Tudo isso aconteceu há pouco tempo no Brasil.

Sabem qual o resultado prático de intervenções estatais desse gênero na atividade econômica? A resposta é única: aumentar o preço geral destes produtos para todos os clientes. Simples assim.

A intenção dos proprietários de pizzarias da capital cearense – e de boa parte do Brasil –, todavia, era dupla: a primeira consistia em sobretaxar os clientes que pediam mais de um sabor na mesma pizza, de modo a desestimulá-los da ideia, visto que o tempo de preparação da pizza de dois sabores (e, portanto, seu custo) é maior; o segundo intuito seria, claro, para aqueles que faziam questão de manter o pedido com duplo sabor, compensar os custos dessa maior demora no preparo. Ora, como esses empresários, doravante, não poderão promover a cobrança desigual na medida da desigualdade do custo dos pedidos, a solução será aumentar os preços para todos os consumidores, inclusive para quem pedir a pizza com apenas um sabor. Não há almoço nem pizza grátis, e ninguém vai trabalhar no prejuízo, por incrível que pareça.

Se as pizzarias ainda estavam abarrotadas de gente, é porque ninguém se importava realmente com o “injusto” método de cobrança

Mas o que mais espanta é que não se tratava de uma fraude cometida pelos empreendedores: os compradores estavam absolutamente cientes da política de cobrança dos estabelecimentos, e aceitavam a transação voluntariamente. Se os pizza lovers de Fortaleza estivessem tão insatisfeitos assim com o sistema, de duas uma: ou o anseio coletivo de tantas pessoas geraria uma forte demanda por esse alimento sendo vendido de forma diversa e essa demanda fatalmente já teria sido atendida por algum investidor do setor ávido por lucro; ou as pessoas iriam comer outra coisa!

Se as pizzarias ainda estavam abarrotadas de gente, é porque ninguém se importava realmente com o “injusto” método de cobrança. Ou seja, o Estado usou dinheiro cobrado do pagador de impostos para correr até este mesmo cidadão, que estava sentado comendo sua pizza tranquilamente, e gritou “calma, nós viemos te ajudar – mas o preço da pizza de mussarela vai subir”. Hein?

As companhias aéreas, a seu turno, resolveram nos sacanear a todos: transportavam “de graça” nossa bagagem até então, e agora poderão cobrar por cada mala despachada. Esta agência reguladora só pode estar de conluio com TAM, Gol e demais empresas do ramo. E está mesmo, mas não pelos motivos que o leitor possa estar imaginando.

Um avião não está isento das leis da Física. Quanto mais pesado ele voa, mais combustível ele gasta, e mais caro sai perfazer aquele voo. Portanto, as companhias aéreas sempre cobraram para transportar cada miligrama das suas tralhas. A diferença é que, agora, em tese, elas podem cobrar mais barato pela passagem, já que foram autorizadas pela benevolente Anac a cobrar à parte pela bagagem. Ou seja, quem for para o aeroporto apenas com sua mochilinha nas costas pode vir a pagar menos pela passagem a partir de agora, pois, até então, o dispêndio com este serviço extra era socializado entre todos os passageiros, inclusive aqueles que entraram no avião apenas com a roupa do corpo.

Mas se elas promoverão, de fato, este benefício a seus clientes, tal qual diversas companhias domésticas americanas de baixo custo, como a Virgin Airlines, o fazem, é difícil saber, já que nesta atividade econômica, como em tantas outras neste nosso país, vigora um cartel promovido pelo próprio Estado – eis aí a sacanagem. Será que haverá motivação, em um mercado (que de livre não tem nada, já que empresas estrangeiras não podem operar voos domésticos) dominado basicamente por apenas quatro “concorrentes”? A conferir, mas não deposito muitas esperanças nisso, já que a única preocupação desses oligopolistas costuma ser apenas agradar a própria agência reguladora, cumprindo suas determinações, a fim de manterem-se na reserva de mercado por ela criada. Cliente? Que cliente?

Um pagamento com cartão de débito demora de um a quatro dias para cair na conta do comerciante. Com cartão de crédito, até 30 dias (que o governo federal agora quer reduzir para dois). Com dinheiro vivo, ele vê a cor da bufunfa na mesma hora. Como até as plantas do meu jardim sabem que ter R$ 100 na minha mão hoje é melhor que receber a mesma quantia no mês que vem, esse comerciante resolve cobrar mais barato de quem pagar com dinheiro em espécie ou no débito em conta, e... é multado pelo Estado brasileiro, claro! Onde já se viu usar a lógica nestepaíz? Siga as regras e ande na linha, meu amigo: divida o custo de esperar para receber o dinheiro do banco entre todos os clientes, mesmo aqueles que sacaram dinheiro antes de ir até seu estabelecimento. Isto aqui é Brasil, pô! Respeite o lobby dos banqueiros e das operadoras de cartão junto aos agentes estatais, ora essa...

Mas, para não terminar tudo em tragédia, parece que o presidente Michel Temer ouviu minhas preces e resolveu, enquanto eu escrevia este artigo, liberar os comerciantes para cobrarem preços diferentes para pagamento à vista. Algo que certamente vai ser benéfico para todos pois, sempre que o Estado para de interferir nas relações entre as pessoas, ganham nossos bolso e liberdade. Obrigado, presidente!

Será que posso comer minha pizza em paz agora, governo?

Ricardo Bordin é auditor-fiscal do Trabalho.
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