• Carregando...
Oito irmãos, quatro fusos horários, um aplicativo
| Foto: Pixabay

Tenho um irmão e meia dúzia de irmãs, o que significa ter passado a infância brigando pelo beliche de cima, dividindo todas as bistecas e, apenas uma vez, respirando dentro de um saco de papel, no carro sozinha com meus pais, tendo toda sua atenção para mim pela primeira vez. Mas o importante é que, por isso, tenho um exército de sete melhores amigos.

No entanto, a última vez que moramos todos juntos no mesmo lugar foi em 1996, ano em que minha irmã mais velha saiu da Irlanda para fazer faculdade na Inglaterra. Hoje moro em Nova York, a milhares de quilômetros de todos eles. A decisão de ir embora foi minha, e provou ser uma daquelas escolhas que, no geral, são maravilhosas, mas também têm um lado negativo para o qual eu não estava emocionalmente preparada – como adotar um cachorro e logo perceber que isso implica sair segurando uma sacola de cocô ainda quente por vários quarteirões.

Dá, então, para vocês imaginarem como vivo ensandecida estando a milhares de quilômetros de distância deles por opção. Tenho cá minha vida norte-americana boa, mas minha família e meus melhores amigos não estão aqui. Tenho de dar um jeito de, como diz a expressão que detesto, "manter contato".

A cumplicidade que tenho com eles nem sempre ficou bem clara para mim. Quando éramos novinhos, quatro de nós dormíamos no mesmo quarto. Minha irmã mais velha, nascida três anos antes, claro que aprendeu a soletrar primeiro, e eu morria de inveja dela por isso. V.ê.s.e.d.o.r.m.e, ela sussurrava quando eu não parava de falar, já na cama, e eu implorava que ela me dissesse o que significava. "Vê se dorme", então dizia ela, e eu prometia tentar pegar no sono se ela me dissesse o que tinha acabado de soletrar.

Tenho seis garotas, hoje mulheres, e um garoto, hoje homem adulto, que são meus, são minha família

Minha outra irmã mais nova, Lilly, era outro tipo de ameaça. Aprendi bem cedo que era responsável por ela, e me ressentia disso. Eu tinha 6 anos quando fomos visitar uns amigos da família que tinham um jardim ótimo para brincadeiras e um cachorro amarelo gordinho que, por algum motivo, não ia com a cara da Lilly. Ele saiu correndo atrás dela, e só vi suas tranças balançando quando passou por mim feito um raio. Mais tarde, naquela mesma noite, fiquei de castigo por não tomar conta dela. Minha mãe, com os olhos marejados, insistiu muito no fato de sermos leais uns aos outros, protegendo-nos e defendendo-nos uns aos outros sempre.

E essa lealdade ficou, faça chuva ou faça sol, para o bem e para o mal. Tenho seis garotas, hoje mulheres, e um garoto, hoje homem adulto, que são meus, são minha família. Os filhos deles também são meus e, com a chegada de um meninão rechonchudo este ano, são sete. Estamos espalhados pelo mundo: nos Emirados Árabes Unidos, na Jordânia, na Inglaterra, na Irlanda e nos EUA. Nosso principal canal de contato é um grupo no WhatsApp: meus pais e os oito filhos. Só nós dez. De vez em quando um perde o telefone ou muda o número, então começamos tudo de novo. O atual foi criado em agosto de 2017, contém 5,6 mil fotos e provavelmente quatro vezes esse tanto de mensagens.

Quando acordo em Nova York, as primeiras mensagens são as do Oriente Médio, já em espera, de meu irmão e uma irmã que estão oito horas à minha frente; depois vêm as da Europa, feito enxurrada, cinco horas no futuro. As piadas e conversas já estão rolando há tempos enquanto faço meu café e leio as respostas às mensagens que mandei antes de ir dormir, a foto de um par de olhos de bronze e mármore do século 5.º que eu vira no Met com a legenda: "eu olhando para os scones". Uma irmã disse que os olhos se pareciam com os de sua gata; outra, que eles a lembravam de nós todos, lá pelos idos de 2008, quando economizávamos tempo e dinheiro bebendo e fazendo nossa maquiagem no trem.

As más notícias e conversas difíceis são reservadas para os telefonemas e as visitas. O grupo do WhatsApp é só para bate-papo, para nos fazer companhia onde quer que estejamos. São as coisas miúdas, os fios breves que se entrelaçam perfeitamente, formando o tecido que se estende além do tempo e do espaço que nos separam.

Em comparação a muitos outros imigrantes, sei que sou mais que sortuda. Posso visitar a Irlanda duas vezes por ano e, se necessário, voltar de vez. Há uma dúzia de opções gratuitas de conexão, incluindo videoconferência, e-mail e telefone.

Leia também: Troquei o programa de 12 passos por um cachorro (artigo de Tyler Watamanuk, publicado em 11 de maio de 2019)

Leia também: Você fala minha língua? Pois deveria (artigo de Bénédicte de Montlaur, publicado em 31 de março de 2019)

Mas a tecnologia ainda tem lá suas deficiências, e as percebo mais nitidamente com meus sobrinhos. São eles que mudam mais e mais rápido e nada recupera o tempo que passa, inclemente. Ligo para uma irmã e ela pergunta se posso contar uma história para seus filhos. "Beleza. Que tipo de história?", pergunto eu, já me ajeitando. "De assustar", sugere o de 6 anos. Na mesma hora penso na fábula de terror, muito provavelmente uma lenda urbana, de um homem de unhas compridas que arranhava o teto do carro de uma mulher. Ela abria a porta para saber de onde vinha o barulho e quem o fazia, e ele a acabava matando com um tesourão. Mas, antes de eu chegar à parte do assassinato, minha irmã me interrompeu. "Que tal aquela da raposa que vivia em um jardim e acabou fugindo?", sugeriu ela.

Tenho uma sobrinha de 3 anos chamada Sadie. Ela quer montar uma barraquinha de bolhas de sabão quando crescer, ou talvez "ser cozinheira". Nós nos adoramos. Recentemente, falei por vídeo com a mãe dela, que mostrou a tela para a pequena. Sadie levantou o olhar do livro de colorir e sorriu seu sorriso desdentado lindo. "Você está na casa da vovó?", perguntou-me ela. Eu estivera na casa dos meus pais, que fica a dez minutos de onde Sadie mora com a família, não fazia muito tempo. "Não estou, não, Sadie. Desculpe, tive de ir embora, pegar o avião", tive de lhe dizer.

Por trás das lentes roxas de seus óculos, um olho castanho se voltou para baixo, triste, enquanto o outro se mantinha escondido atrás de um tapa-olho enorme. Eu também fora forçada a usar um na idade dela e odiara. Ainda me lembro como são significativas as pequenas coisas quando se é pequeno, e desejei poder estar lá para ajudá-la a reconhecer seus sentimentos. De repente, minha tela embaçou e percebi que era porque meus olhos estavam cheios de lágrimas.

Geralmente, sou a última a entrar no bate-papo familiar, saindo do metrô para ir para casa, depois de algum show ou esturricada de sol após ter passado o dia em Brighton Beach. Leio dezenas de mensagens por dia, então mando fotos de mim posando com a cabeça dentro de uma matrioska russa, seguida de uma série de emojis de coraçõezinhos rosa saltitantes. A verdade é que posso ficar aqui e ter essa vida que adoro porque eles me prepararam para isso. Que estranho eles me terem feito forte o bastante para poder ir embora. Na manhã seguinte, direto da Jordânia, minha irmã escreve v.ê.s.e.d.o.r.m.e.

Maeve Higgins é autora de Maeve in America: Essays by a girl from somewhere else.

The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]