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Presidente da República Jair Bolsonaro durante jantar com formadores de opinião, em Washington (EUA)
Presidente da República Jair Bolsonaro durante jantar com formadores de opinião, em Washington (EUA)| Foto: Alan Santos/PR

Stephen Bannon é hoje um dos mais emblemáticos personagens da política internacional. Seu principal – e questionável – mérito: capitanear a vitoriosa campanha presidencial de Donald Trump. Bannon foi alçado ao posto em 2016, poucos meses após Trump varrer as prévias de seu partido, o Republicano. Vitorioso, Trump nomeou Bannon como estrategista chefe da presidência, cargo do qual foi demitido seis meses depois, após perder uma dura queda de braço com Ivanka Trump e Jared Kushner, filha e genro do presidente americano. Irascível, impaciente e inflexível, não se adaptou ao letárgico ritmo do funcionamento burocrático. Praticamente forçou sua demissão. Nesse sentido, é necessária a compreensão de que Stephen Bannon jamais foi bombeiro, apaziguador. Ao contrário, é um verdadeiro incendiário. Torna-se protagonista como antagonista.

Ciente disso, fundou o The Movement, uma heterodoxa articulação política voltada à consolidação internacional de suas ideias, das quais se destaca o soberanismo, conceito que esmiucei no artigo “A agonia do multilateralismo: Trump, Brexit e o soberanismo”. Emerge então o elo entre o bolsonarismo e o estrategista político americano. Bannon fez de Olavo de Carvalho sua ponte para o Planalto. Espantou-se com o trabalho do filósofo brasileiro, por quem passou a nutrir sincera admiração e raro respeito. A aproximação foi entusiasticamente retribuída pelo presidente e alguns de seus principais conselheiros, a quem Bannon despertava admiração e respeito.

Pouco tempo depois, o presidente Jair Bolsonaro foi recepcionado oficialmente, já em seu primeiro compromisso oficial nos EUA, com um jantar na embaixada brasileira de Washington DC. Em cerimônias como essa, há uma importância simbólica na distribuição dos lugares a mesa. Os lados direito e esquerdo da autoridade máxima são, respectivamente, as outras duas pessoas de maior importância no local. Posições de prestígio. O presidente brasileiro optou por Olavo de Carvalho e Stephen Bannon. Não li ou ouvi em lugar algum o que afirmo a seguir: o jantar e a disposição dos convidados são luminosas indicações sobre inúmeros assuntos, inclusive sobre a Venezuela.

Bolsonaro fez da ocasião um sólido indício do alinhamento de perspectivas entre os três protagonistas da mesa

Não fuja, amigo leitor. Explico: Bannon, tanto em campanha, quanto na Casa Branca, foi ferrenho opositor da continuidade militar americana no Afeganistão, Síria e Iraque. Para o estrategista, a Washington urgia outras prioridades, apontando tais intervenções heranças malditas de outras gestões. Objetivamente, Bannon é avesso ao papel dos Estados Unidos como nação líder do mundo livre. America first. Que os iraquianos resolvam seus próprios problemas. Caberia às forças armadas norte-americanas dispender seu poderio apenas contra claras e objetivas ameaças à América, como aconteceu com as operações contra o Estado Islâmico. Talvez, esse ideário de Bannon seja seu principal legado na administração de Trump, inclusive influenciando na escolha de Mike Pompeo como Secretário de Estado.

Por sua vez, Olavo de Carvalho também teve papel eleitoral de destaque, mas nas eleições brasileiras, embora não tenha se engajado diretamente. O filósofo brasileiro é professor de membros nomeados do alto escalão do Executivo, como o chanceler Ernesto Araújo, Filipe Martins, assessor de Política Internacional do presidente, além de Flávio e Eduardo Bolsonaro, filhos do presidente.

Morador de Richmond, pacata cidade do estado da Virgínia, nos EUA, Olavo de Carvalho capitaneou, mesmo que a distância, profundas fraturas no establishment político e intelectual tupiniquim. É extremamente ativo nas redes sociais, além de escritor e, acima de tudo, professor de milhares de alunos no seu Curso Online de Filosofia. Impulsionado apenas por uma teimosia pirracenta, idealismo, fé ou apenas, como um bom irlandês, pelo simples prazer de uma boa briga, Olavo de Carvalho abriu caminho para si, suas ideias e seus alunos na força bruta da marra filosófica, abandonando a alcunha de nobre desconhecido para a de inimigo número um da imprensa nacional.

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Todavia, Olavo de Carvalho e Stephen Bannon pouco têm em comum. Bannon é um agente político, um homem de ação, irascível, impaciente e pragmático. Olavo, por sua vez, é, dentro da pureza conceitual platônica, um paciente filósofo. É pai de teses, conceitos e análises profundas e complexas, mas que compõem ferramental imprescindível no exercício de compreensão do mundo que nos cerca. Obras como A filosofia e seu inverso ou Aristóteles em nova perspectiva, verdadeiros tesouros filosóficos, além de conceitos como a “paralaxe cognitiva” ou a “teoria do império”, permanecem na obscuridade acadêmica do Brasil, que rejeita qualquer produto que não seja fruto de seus pares concursados. São os celebrados especialistas, sujeitos moldados por uma flacidez narcótica delirante, mas titulada, muito bem remunerada e estável. Doutores determinados na refundação de Sodoma e Gomorra entre os muros e o barro da cidade universitária, no Butantã. Suas utopias esquizofrênicas, claro, são financiadas pelo contribuinte. Trata-se de conspiradores, traiçoeiros, mas incapazes de lidar com a crueza de um punho indignado.

Por conseguinte, Bolsonaro fez da ocasião um sólido indício do alinhamento de perspectivas entre os três protagonistas da mesa. Não obstante, indicou os caminhos que a presidência brasileira pretende trilhar, e a Venezuela é um deles. Vale o esclarecimento. Avesso a intervenções militares, Bannon jamais apoiaria qualquer ação nesse sentido. O professor Olavo de Carvalho, embora mais ponderado, é um antigo crítico do sucateamento das forças armadas brasileiras. Tem plena consciência de que o Brasil não reúne quaisquer condições para um enfrentamento direto, assim como bem sabe o próprio presidente.

Todavia, Donald Trump e Jair Bolsonaro não descartaram publicamente a hipótese de um engajamento militar. Analistas mundo afora alardearam sobre os mais caricatos cenários, especulando aliados, inimigos e até antevendo uma nova Guerra Mundial. Mais uma vez, operam pela histeria bovina. Não houve um único veículo de mídia capaz de compreender o evento e seus cruciais simbolismos. Ninguém. Qualquer dúvida sobre uma iniciativa militar brasileira em solo venezuelano deveria ter padecido naquela noite. Quanto aos discursos presidenciais, apenas formataram o jogo retórico diplomático, mantendo Maduro e seus asseclas sob o temor da ação bélica. É algo do jogo. São as forças armadas venezuelanas a principal sustentação de Maduro. Mantê-las sob a sombra de um conflito aberto com o Tio Sam, enquanto o país sequer mantém suas tropas alimentadas, implica na manutenção constante de um estado de alerta e tensão. A escalada retórica apenas semeia dúvida e medo nesse meio. Talvez, seja a centelha necessária para uma saída interna, nacional. Obviamente, com certo suporte dos serviços de inteligência, principalmente da CIA. Contudo, ações desse tipo podem criar consequências inesperadas. Bin Laden e o Estado Islâmico são exemplos didáticos e catastróficos. São muitas as variáveis, é alta a periculosidade e há o risco corrente de exposição.

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Houve, claro, reações. Crises também são oportunidades. Ao despachar tropas, equipamentos e mercadorias para Caracas, o Kremlin engessou o cenário. Trata-se de um impasse, herança da Guerra Fria, escorado na teoria da destruição mútua assegurada. Resumidamente, o apocalipse terreno provocado por uma Guerra Nuclear. O botão vermelho como a Caixa de Pandora. E é justamente essa certeza que, de certo modo, impede que surjam conflitos de grandes proporções, como a Grande Guerra do século passado.

Nicolás Maduro emulou Síria e Coreia do Norte. Assad e Kim Jong-Il, apesar das terríveis intempéries, permanecem estáveis no poder. O segredo? Entregar a Xi-Jiping e Vladmir Putin o controle econômico de empresas estatais e da exploração mineral de um dos subsolos mais ricos do planeta. Ou seja, Maduro permanece em Miraflores, guarnecido por russos e chineses, onde tenta restabelecer a ordem política e social chavista. Assad reduziu seu país a escombros para manter-se no poder. A dinastia comunista de Pyoiang, já em sua terceira geração, acompanhou passivamente milhões de norte-coreanos padecerem por inanição, fome e pestes, ao mesmo tempo que escraviza e tortura centenas de milhares de possíveis opositores. Tiranos que compreenderam a periculosidade de um enfrentamento aberto. Ou seja, uma intervenção tornou-se ainda mais improvável.

Esta análise, conjunção lógica de fatos evidentes, escancarados, não foi, em momento algum, sequer esboçada por analistas, correspondentes ou acadêmicos. Os jornalões apelaram ao catastrofismo e deram continuidade ao aporrinhante processo difamatório (que deixou de ser crítico há muito tempo) da gestão federal. Apesar de soar pretensioso, meu único intuito aqui é desconstruir discursos demagógicos, mal-intencionados. Uma única foto e meia dúzia de miolos são suficientes para desmascarar a incapacidade, incoerência ou mau-caráter (cabe ao amigo leitor tal julgamento) dos grandes veículos de imprensa. Em suma, Jair Bolsonaro e Donald Trump não possuem quaisquer intenções de atacar a Venezuela, seja por ideologia, seja por pragmatismo. A única possibilidade, mais que improvável, é de uma agressão venezuelana. Não irá acontecer. Podem me cobrar.

Marcos Paulo Candeloro é historiador, cientista político e consultor na plataforma Revelagov.

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