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Este sábado marca os 70 anos da entrada em vigor da Carta fundadora de um dos atores mais emblemáticos da cena internacional – a Organização das Nações Unidas (ONU). Concebida com o intuito de substituir a natimorta Liga das Nações, a ONU é criada, ainda sob os escombros da Segunda Guerra Mundial, com o propósito de prevenir uma nova guerra semelhante àquela. Apesar de ser alvo de muitos questionamentos, grande parte deles acertados, poucos atores têm um papel tão central para a manutenção e construção da paz e segurança no cenário internacional.

É precisamente por causa da centralidade da ONU nas relações internacionais que a data de hoje deve ser um momento para se ponderar algumas transformações, mais do que necessárias, na entidade. Duas transformações se destacam. Por um lado, é preciso repensar uma prática fundamental da organização, nomeadamente o modo como a paz é construída em cenários pós-conflito. Por outro lado, é urgente o restruturar de um elemento significativo da sua arquitetura institucional – a composição do Conselho de Segurança.

Os processos de reconstrução levados a cabo pela ONU possuem um viés ideológico marcante, nomeadamente neoliberal

No que toca à esfera da manutenção da paz e segurança no cenário internacional, a organização vem, de certo modo, adaptando-se e modificando as suas práticas ao longo do tempo. Durante o período da Guerra Fria, a sua atuação centrava-se, sobretudo, na manutenção de cessar-fogo e no patrulhamento de zonas neutras ou de corredores humanitários. Após o fim da Guerra Fria, a ONU passa a dar atenção à dimensão interna dos conflitos e a buscar a reconstrução de Estados e sociedades pós-conflito.

Contudo, ainda é preciso dar conta de deficiências no mínimo graves nessa esfera. Os processos de reconstrução levados a cabo pela ONU possuem um viés ideológico marcante, nomeadamente neoliberal, e negligenciam as singularidades dos diferentes conflitos do globo. Assim, enquanto a ONU aplicar o seu modelo de reconstrução pós-bélica de modo padronizado e indiscriminado pelo globo, a paz construída por ela continuará sendo problemática, tênue e limitada.

Relativamente ao seu Conselho de Segurança, é mais do que evidente que ele ficou congelado no tempo e precisa ser restruturado. Ao ter como membros permanentes os Estados Unidos, o Reino Unido, a França, a Rússia (no lugar da União Soviética) e a China, o CS ainda reflete a geopolítica do pós-Segunda Guerra Mundial. Esta composição está longe de ser condizente com a conformação atual da organização e a distribuição de poder do cenário internacional contemporâneo.

Essa é uma composição de um tempo no qual a ONU tinha pouco mais de 50 membros. Hoje, a organização tem perto de 200 países-membros. Um alargamento dessa monta demanda uma maior abertura do Conselho. Mais do que isso, seus assentos permanentes não contemplam potências regionais como Índia, Turquia, África do Sul e até mesmo o Brasil. Isto traz graves consequências para a governança global, uma vez que a superação das principais questões mundiais – desde políticas e securitárias até econômicas, humanitárias e ambientais – invariavelmente tem de passar por esses países.

Sem essas reflexões que a data pede, a ONU corre o risco de perder a sua centralidade na cena internacional. Mais grave: arrisca-se a tornar-se um fóssil de uma época que não existe mais, e isso certamente não interessa a ninguém.

Ramon Blanco, doutor em Relações Internacionais, é professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).
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