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Os democratas não aprenderam a lição com Trump
| Foto: Fabio Abreu

Hillary Clinton perdeu em 2016 por causa de um conluio de Trump com os russos e da revolta de alienados com a globalização. Ao menos essa foi a narrativa de boa parte da esquerda americana, incapaz de digerir a derrota para o bilionário bufão. Democratas e a mídia insistiram muito nessa “tese”, que se mostrou furada. E, se não tiverem a coragem de enfrentar seus próprios demônios, correm sérios riscos de uma nova derrota em 2020.

O discurso de que um bando de alienados incomodados com a globalização votou em Trump por puro ressentimento e preconceito pode ser sedutor, mas fica longe da verdade. Algo que talvez ajudasse a esclarecer os principais motivos por trás do fenômeno é a leitura de The Case for Trump, de Victor Davis Hanson. Não se trata, afinal, de um idiota qualquer, mas sim de um professor e historiador com excelentes livros, passagem por veículos importantes da imprensa e doutorado em História Clássica por Stanford. Sua especialidade é história militar, e nessa “guerra política” os democratas, por cegueira, estão levando coro.

Na obra, Hanson procura explicar as causas da vitória de Trump, sem cair no lugar comum de autoengano “progressista”. Ele tem uma visão privilegiada, pois, além do background acadêmico, dá aula para a elite californiana na cidade grande e tem uma fazenda no interior do estado, permitindo-lhe uma experiência única desse abismo que se criou entre a bolha cosmopolita e o povo, fenômeno que foi bem retratado por Charles Murray em Coming Apart.

O fator mais importante para a vitória, diz Hanson, é o fato de que Trump não era Hillary Clinton. As decisões após a eliminatória das primárias normalmente afunilam para uma escolha binária entre o ruim e o pior. Trump tinha de ser menos pior do que Clinton, ponto. E isso não era uma missão impossível. A autenticidade rude superou o convencionalismo insincero.

O afastamento entre a elite política que representa o establishment e o povo governado por ela foi ficando cada vez maior, e a classe média espremida no meio foi ficando saturada. Trump falou a esse “homem esquecido”. Como explica o autor, as elites não sujeitas às ramificações de suas próprias políticas governaram de cima; os pobres subsidiados responderam de baixo; ambos mal disfarçaram um desdém comum pela luta da maioria daqueles entre os dois.

O discurso de que um bando de alienados incomodados com a globalização votou em Trump por puro ressentimento e preconceito pode ser sedutor, mas fica longe da verdade

O discurso de Trump contra o “deep state” foi música, então, para os ouvidos dessa maioria no meio. “Drenar o pântano em Washington” era uma mensagem atraente para aqueles cansados dos dois partidos, dos políticos em geral. Sua retórica tribal de nós contra eles mobilizou eleitores de ambos os partidos de uma forma não vista desde o populismo do independente Ross Perot.

No mundo convencional da política, os republicanos eram massacrados pelos democratas e a imprensa, retratados como pessoas ruins, racistas, fascistas – e não rebatiam. Se até Bush, Mitt Romney e John McCain foram rotulados dessa forma, então não havia mais qualquer credibilidade nesses ataques às intenções supostamente terríveis dos conservadores. Cansados dessa estratégia pérfida, muitos queriam dar uma resposta. Trump foi essa resposta. Ele não se curvava diante dos ataques, mas rebatia até com mais virulência.

Aqueles que sempre advertiram contra o “pensamento grupal” se tornaram vítimas voluntárias dele. Aqueles que pregavam sobre ética jornalística e análise desinteressada mostraram-se antiéticos e tendenciosos, como se o suposto monstro Trump justificasse contramedidas extraordinárias e isenções de códigos profissionais. A hipocrisia dessa elite não passou despercebida, e Trump era o seu remédio amargo.

Obama já tinha contribuído para uma maior polarização na América, e acabou expondo o viés ideológico da imprensa, que morria de amores pelo “primeiro presidente negro”. Trump pegou esse país dividido e soube explorar bem esse racha. Soube também criar uma mensagem patriótica capaz de unir, com o slogan “Make America Great Again”.

Isso foi fundamental para a vitória nos “swing states”, aqueles mais indefinidos que decidem a eleição, lembrando que, nos Estados Unidos, existe o Colégio Eleitoral, para impedir uma “ditadura da maioria”. Hillary levou nos votos populares, mas perdeu no critério que dá mais peso à diversidade americana, às mães dos subúrbios.

Outro ponto importante foi o crescente radicalismo ideológico do Partido Democrata desde Obama. Ele ajudou muito na ascensão dos assumidos socialistas dentro do partido, e também na política de identidades que tomou conta da retórica democrata. Tudo passou a ser visto como marcha das minorias oprimidas, e essas bandeiras passavam longe dos reais interesses da população. Eleitores centristas começaram a duvidar da sabedoria dessas elites cosmopolitas. O cosmopolitismo “liberal” com janelas para o mar guerreou contra o tradicionalismo conservador voltado para a terra.

A incapacidade anterior dos republicanos de ganhar consistentemente estados como Michigan, Ohio, Pensilvânia e Wisconsin era em grande parte porque os candidatos não conseguiam energizar a classe trabalhadora branca desencantada com a política. Trump ganhou a eleição porque cerca de 80 mil eleitores em apenas três estados resolveram mudar em sua direção. Trump percebeu que a influência de uma minoria da população foi exagerada por sua onipresença na cultura popular e na economia globalizada.

A insatisfação crescente do “cinturão da ferrugem” com a situação econômica e a imigração descontrolada, o cansaço de boa parte da classe média com a hipocrisia da classe política e da imprensa, e a péssima candidata democrata, tudo isso alimentado por uma divisão crescente nas redes sociais, fez com que Trump fosse eleito. Enquanto um lado ria do fanfarrão “xenófobo” que falava para “alienados brancos”, o outro silenciosamente foi lá e votou nesse fanfarrão.

Isso é um resumo e deixa muita coisa de fora, claro. Mas serve para indicar que os democratas não aprenderam as lições mais importantes com a derrota. Eles dobraram a aposta! Joe Biden, que lidera as pesquisas, é quase tão ruim quanto Hillary, e ainda enfrentará forte resistência interna, por não ter os quesitos de “minoria”. Os demais adotam discursos radicais, socialistas, pregam fronteiras abertas e banalizam o aborto. Falam para a bolha “progressista”, não para o povo. Trump agradece.

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.

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