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“31 de março. Hoje ninguém volta para casa”. Foi com esta ideia, viralizada nas redes sociais pela hashtag nuitdebout (algo como “vigília noturna”), que milhares de jovens se reuniram na Praça da República, em Paris, naquela quarta-feira e no dia seguinte. O objetivo dos protestos foi demarcar uma posição decidida e radical contra o Projeto de Lei do Trabalho que o governo de François Hollande, do Partido Socialista, quer aprovar como reação à crise econômica no país. As vigílias noturnas foram um ponto culminante de uma semana de protestos impulsionada pelas denúncias da repressão brutal da polícia sofrida por jovens estudantes de um liceu da periferia de Paris que realizavam, desde o início do ano, uma campanha permanente de piquetes semanais contra tal proposta.

O simbolismo destas vigílias remete, por exemplo, ao Estado de Emergência instituído na França depois dos atentados terroristas de novembro do ano passado e que conferiu ao Executivo poderes deliberativos e repressivos extraordinários. Exatamente na véspera da vigília, 30 de março, o presidente francês anunciara a desistência, por falta de consenso com os partidos no Senado e Câmara, do projeto de alteração constitucional que prolongaria esses poderes emergenciais. Além disso, os protestos têm referência claríssima nas manifestações antiausteridade que tomaram corpo em outros países nos últimos anos. Dos Indignados espanhóis ao movimento Occupy nos Estados Unidos, passando pelas lutas dos jovens gregos e egípcios, os jovens da Praça da República se somaram àqueles da Praça do Sol, do Zucotti Park, da Praça Syntagma e da Praça Tahir. E – por que não? – às manifestações de junho de 2013 no Brasil.

Hollande enfrenta um ambiente hostil no interior dos movimentos sociais e da esquerda francesa

Caso a Lei El Khomri – referência à sua autora, a ministra do trabalho Myriam El Khomri – seja aprovada, ela implicará em alterações profundas na legislação trabalhista francesa, incluindo negociações a partir das empresas individualmente com seus trabalhadores, retirando o poder de negociação dos sindicatos em negociações setoriais; a flexibilização das jornadas de trabalho diária e semanal, que podem chegar às impressionantes 12 horas e 60 horas, aumentando a jornada de trabalho semanal, que é de 35 horas (nove a menos que no Brasil); a ampliação da jornada de trabalhadores com menos de 18 anos para 40 horas semanais; a diminuição do valor da hora-extra; a extinção dos dias de licenças em caso de casamento, morte e nascimento de filhos – que passam a depender da negociação com o empregador; e o estabelecimento de um teto para as indenizações por demissão abusiva.

Com forte oposição entre os sindicatos, o governo pretende implementar o projeto de lei por meio de um recurso constitucional parecido com a medida provisória brasileira, cuja aprovação depende apenas de não ser censurado no Congresso Nacional. Assim, Hollande enfrenta um ambiente hostil no interior dos movimentos sociais e da esquerda francesa, ao mesmo tempo em que tem lançado mão de recursos pouco afeitos à tradição republicana e democrática francesa – com acordo tácito de sua oposição – para encaminhar o projeto.

Essa reforma é parte de um ciclo internacional de conflitos entre governos e trabalhadores que já dura alguns anos e tem em seu centro o sentido de políticas públicas como previdência, salário e condições de trabalho.

Daniela Mussi, doutora em Ciência Política pela Unicamp, é pesquisadora na USP. Eric Gil, economista, é mestre e doutorando em Ciência Política pela UFPR.
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