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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Falar em “fascismo” hoje em dia é complicado, pois tudo que não é socialismo virou fascismo na boca dos socialistas. Como Churchill alertara, “os fascistas do futuro chamarão a si mesmos de antifascistas”, e o futuro chegou. Além disso, qualquer grupo violento, agressivo, como até mesmo uma torcida organizada de futebol, é chamado de “fascista”. Mas o que é o fascismo? Qual a sua origem?

É o que tenta responder James Gregor em Mussolini’s Intellectuals, livro fundamental para quem se interessa pelo assunto. Ele mergulha nas ideias dos principais nomes por trás do fenômeno que surgiu na Itália naquele começo do século 20, para mostrar que havia uma coerência ideológica por trás da coisa, que não se tratou apenas de brutamontes distribuindo pauladas, mas de pensadores, alguns renomados, construindo uma ideologia totalitária com resultados perversos.

A primeira coisa que chama a atenção é que quase todos os líderes intelectuais do fascismo foram marxistas. Houve uma conversão, em muitos casos após a Primeira Guerra Mundial, quando esses pensadores perceberam que o conceito universal de classe não era suficiente para atrair o proletário para a luta, uma vez que o apego à nação falava mais alto. O fascismo trocaria classe por nação, mas manteria inúmeras outras características do marxismo, a começar por seu coletivismo que ignora o indivíduo, meio sacrificável para esse “bem geral”.

O fascismo trocaria classe por nação, mas manteria inúmeras outras características do marxismo

Até mesmo Gramsci, um dos principais pensadores comunistas italianos, reconheceu que inicialmente o fascismo fez oposição ao socialismo não porque era antissocialista, mas porque o socialismo oficial da época foi contra a entrada da Itália na guerra. Para Mussolini, ele mesmo um jovem socialista, essa oposição surgiu pelo sentimento antinacionalista equivocado dos socialistas. Mussolini, como outros fascistas, achava que era perfeitamente possível combinar ambos – socialismo e nacionalismo.

Uma confusão comum advém do fato de que os fascistas não desejavam, como os socialistas, derrubar completamente o capitalismo. Para os marxistas, que acreditavam no determinismo histórico, qualquer um que tentasse reabilitar o capitalismo de alguma forma só podia ser um reacionário, ainda que os próprios marxistas reconhecessem a importância do capitalismo como etapa do progresso. Colocar-se contra o “curso inevitável da história” era coisa de gente irracional e contraditória, segundo os marxistas.

Já os fascistas também desejavam fins semelhantes, só que pretendiam usar o capitalismo, ainda que sob o total controle estatal, como instrumento desse progresso coletivo. Pensadores como Giovanni Gentile e Roberto Michels traçaram o arcabouço fascista antes da chegada de Mussolini ao poder, com a mistura de um nacionalismo idealista e um sindicalismo revolucionário.

O uso da violência associada ao fascismo não muda sua origem idealista, da mesma forma que o “socialismo real” também justificou a violência, mas não altera o idealismo marxista original. Tanto o fascismo como o marxismo não são somente violência pura: ela jamais teria o verniz de aceitação que teve, como um meio legítimo, sem os pilares ideológicos a sustentando, sem a utopia final vendida aos iludidos.

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Os fascistas eram marxistas heréticos, pois achavam que o instrumental marxista não bastava para levar um país pouco industrializado como a Itália rumo ao progresso. Eles queriam “modernizar” a indústria italiana para executar a “revolução proletária” e um programa de distribuição de riquezas mais “justo” e igualitário. O capitalismo industrial de Estado era, portanto, apenas um meio para seu fim coletivista e socialista.

O fascismo pegou um sentimento legítimo – o patriotismo e a busca por pertencimento – e o transformou em algo totalmente diferente: um nacionalismo coletivista que buscava o “renascimento” da Itália de outrora, uma “Terceira Roma” que resgatasse a civilização decadente, a moralidade perdida num mundo cada vez mais materialista e sem propósito. O individualismo era o alvo dos fascistas e o ressentimento em relação a outras potências mais avançadas era o combustível desse nacionalismo.

A democracia representativa corrupta e ineficiente era um obstáculo a essa meta ambiciosa. Em seu lugar, era preciso colocar os mais capazes, os mais competentes. Os fascistas desprezavam os mecanismos imperfeitos e entediantes do Parlamento, preferindo colocar em seu lugar uma elite “esclarecida” que falasse diretamente em nome do Povo. Nada muito diferente do que pregavam os marxistas, com sua “ditadura do proletário” como fase intermediária até a “abolição do Estado”.

O fascismo pegou um sentimento legítimo – o patriotismo e a busca por pertencimento – e o transformou em algo totalmente diferente

A democracia representativa e a economia liberal seriam alvos dos ataques tanto dos sindicalistas revolucionários como dos marxistas e fascistas, pois impediam “grandes feitos” e corrompiam a consciência política das massas. A democracia se mostrou incapaz de entregar o potencial da nação, descambando para o populismo, e somente uma liderança autoritária que colocasse a nação como prioridade poderia destravar todo esse potencial, para criar a “Itália proletária”.

Na economia, a influência seria de gente como o alemão Friedrich List, defensor de um nacional-desenvolvimentismo que condenava o liberalismo e pregava o protecionismo estatal como alavanca para o futuro radiante. O governo era a grande locomotiva do progresso e, por isso, Mussolini resumiu sua ideologia assim: “Tudo no Estado, nada contra o Estado e nada fora do Estado”.

Quando estudamos os intelectuais que criaram o fascismo como ideologia, fica mais claro o absurdo da acusação que a esquerda faz aos liberais e conservadores. Que uma ala minoritária da dita “direita” possa ter cores fascistas até é verdade, mas porque os extremos se tocam. São muito mais parecidos com seus “arqui-inimigos” marxistas e socialistas do que esses gostariam.

“Para qualquer um que soubesse alguma coisa sobre Mussolini, estava claro que havia muito pouco que fosse conservador, liberal ou politicamente democrático em suas convicções mais fundamentais”, afirma Gregor. Diante disso tudo, resta evidente que, quando um socialista acusa um liberal de “fascista”, está seguindo a tática de Lenin de atacar os outros na frente de um espelho.

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
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