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| Foto: Krzysztof Szkurlatowski/Free Images

Não é raro um primeiro-ministro israelense irritar os judeus da diáspora, mas, três anos atrás, Benjamin Netanyahu fez um discurso pelo qual foi condenado quase que unanimemente. Após os diversos atentados em cidades europeias como Paris e Copenhague, ele exortou uma debandada geral da Europa. “É claro que os judeus merecem proteção em todos os países, mas quero dizer a nossos irmãos e irmãs que Israel é a sua casa”, declarou na época, reforçando os comentários que fizera mais sutilmente, um mês antes, na Grande Sinagoga de Paris.

“A sugestão de uma imigração em massa é inaceitável”, reagiu o rabino Menachem Margolin, presidente da Associação Judaica Europeia; Abraham Foxman, na época diretor da Liga Antidifamação, sugeriu que a política “daria a Hitler uma vitória póstuma”; o principal rabino da Dinamarca, Jair Melchior, se confessou “decepcionado”; Smadar Bar-Akiva, diretor-executivo da JCC Global, também foi duro. “Sugerir que os judeus franceses façam as malas e vão embora é, no mínimo, perturbador; é uma admissão de derrota.”

François Hollande, que era presidente, repetindo o coro dos líderes europeus, reagiu com veemência, apelando para os judeus de seu país: “O lar de vocês é aqui. A França é o seu país”. Será? A pergunta é mais que pertinente, principalmente depois do assassinato bárbaro de Mireille Knoll, dias atrás.

A senhora de 85 acreditou em Hollande; a França era seu lugar, sua casa, seu país. E Paris, sua cidade. Ela contava com isso, ainda que ali, quando tinha 9 anos de idade, a polícia tenha reunido 13 mil judeus, sendo 4 mil crianças, e amontoado todos no Velódromo d’Hiver antes de enviá-los para a morte certa em Auschwitz. Knoll escapou por pouco da maior deportação de judeus realizada na França durante o Holocausto, e fugiu para Portugal com a mãe.

Há anos a França usa tropas armadas para proteger sinagogas e escolas judaicas, mas a violência nas ruas não diminuiu

Depois da guerra, ela se casou com um homem que sobrevivera a Auschwitz. Voltou à terra natal, onde construiu casa e estabeleceu a família. Francesa até a raiz dos cabelos, permaneceu na capital mesmo depois de os netos terem se mudado para Israel. Permaneceu no 11.º Arrondissement quando, mesmo sofrendo do mal de Parkinson, foi esfaqueada 11 vezes. E teve o apartamento incendiado. Os bombeiros encontraram seu corpo carbonizado na noite de sexta-feira.

As autoridades municipais estão investigando o crime como tendo sido motivado por “associação, real ou suposta, da vítima com uma religião específica”. Entretanto, não deveriam usar um eufemismo para descrever a natureza da morte de Mireille Knoll; ela foi assassinada por homens aparentemente motivados pelo mesmo ódio que sustentava Hitler.

Dois suspeitos, um de 29 e um de 21 anos, foram detidos. O mais velho era vizinho de Knoll, que o conhecia desde criança; o mais novo, segundo relatos, era um sem-teto. De acordo com o jornal Le Monde, um deles disse que o outro gritara “Allahu Akbar” ao atacar a idosa (o advogado da família, Gilles-William Goldnadel, confirmou a informação por telefone). Na terça, Gérard Collomb, ministro do Interior, disse ao Parlamento que um dos homens comentou com o outro: “Ela é judia, deve ter dinheiro”.

De fato, Knoll era pobre, como informou o filho, Daniel; viveu praticamente a vida toda no mesmo apartamento financiado do conjunto habitacional em que foi morta. E que fica em um bairro que já testemunhou um crime praticamente idêntico: quase um ano atrás, uma viúva judia de 65 anos chamada Sarah Halimi foi morta pelo vizinho, Kobili Traoré, 27 anos. Outros vizinhos disseram ter ouvido o rapaz gritar “Allahu Akbar” enquanto batia na médica aposentada até quase matá-la, na madrugada do dia 4 de abril de 2017. Em seguida, jogou o corpo no pátio lá embaixo. Passaram-se meses antes que o assassinato de Halimi fosse classificado como crime de ódio antissemita. “Foi um escândalo”, criticou Goldnadel, o advogado, que também representou a família.

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Desta vez, as autoridades não perderam tempo em denunciá-lo corretamente. Na segunda, Emmanuel Macron tuitou: “Quero expressar meu choque em relação ao crime horrendo cometido contra a sra. Knoll e reafirmar minha determinação absoluta no combate ao antissemitismo”. Na quarta, na homenagem feita ao policial morto em um ataque islamita, o presidente disse que ela tinha sido morta “por ser judia”. Macron tem sido muito elogiado pela comunidade do país por sua clareza moral ao descrever o antissionismo como “uma versão reinventada de antissemitismo”.

Sentimento esse que deveria ser uma doença da extrema-direita – só que aqueles que estão matando judeus na França hoje não são membros da Frente Nacional. São islamitas.

“Os maiores crimes cometidos contra a comunidade judaica – Ilan Halimi, as mortes em Toulouse, no Hyper Cacher, Sarah Halimi – todos foram perpetrados por muçulmanos radicalizados. São jovens com documentos franceses, mas que odeiam tudo o que o país representa. Essa é a natureza do problema que estamos enfrentando, do qual é muito complicado falar”, me explicou Robert Ejnes, diretor-executivo da CRIF, organização à qual pertencem vários grupos de judeus franceses, por telefone.

E aqui vão alguns fatos que também são difíceis de discutir: os judeus representam menos de 1% da população francesa; entretanto, em 2014, 51% de todos os ataques racistas ocorridos no país foram contra eles, de acordo com o Ministério do Interior. Uma pesquisa daquele ano feita pela AJC Paris e pelo think tank Fondapol, com mil franceses de afiliação religiosa desconhecida e 575 que se identificaram como muçulmanos, concluiu que esses últimos tinham o dobro ou triplo de possibilidade de revelar sentimentos antissemitas do que os primeiros; 19% achavam que os judeus tinham poder político “em excesso”; entre os islâmicos, esse número pulou para 51%. Além disso, 44% dos muçulmanos concordaram com a ideia de que o sionismo “é uma organização internacional cujo objetivo é influenciar o mundo e a sociedade em favor dos judeus”. E o resto da pesquisa é devastador na mesma linha.

Os judeus são criticados e insultados pela extrema-direita e, cada vez mais, pela extrema-esquerda

Há anos a França usa tropas armadas para proteger sinagogas e escolas judaicas, mas a violência nas ruas – como a menina de 15 anos que usava o uniforme de uma escola judaica e recebeu uma navalhada no rosto; o garoto de 8 anos de quipá que foi agredido; os irmãos adolescentes que foram chamados de “sujos” antes de tomarem uma surra – não diminuiu. Na quarta, horas antes da marcha em honra a Mireille Knoll, a sede da União dos Estudantes Judeus Franceses foi invadida e pichada com frases como “Viva Arafat” e “Morte a Israel”.

Quaisquer que sejam as conclusões da investigação sobre o assassinato de Knoll, de uma coisa já temos certeza: os homens acusados de matá-la vivem em uma cultura na qual os judeus são criticados e insultados pela extrema-direita e, cada vez mais, pela extrema-esquerda; na qual a sensibilidade em relação às diferenças culturais leva muita gente, há muito tempo, a espalhar um ódio antigo em um formato novo, ainda mais perverso; na qual os ataques aos judeus são justificados por motivação política pelo que está acontecendo no Oriente Médio. Não é surpresa que quem segue essa ideologia chegue à conclusão de que o sangue judeu vale muito pouco.

Após a morte de Knoll, voltou-se a repetir as frases costumeiras: “O antissemitismo é o ódio que nunca morre”, “A violência que começa com os judeus nunca termina com eles”. O que é verdade – como também é o fato de o antissemitismo ser o ódio mais antigo do mundo porque há indivíduos em todas as gerações que o fomentam. E não poderá ser derrotado até encararmos essas pessoas e sua ideologia de frente.

Todos os judeus franceses, como milhões de judeus ao longo da história, terão de fazer uma escolha particular: deixar a pátria por um lugar mais seguro ou ficar e brigar pelo espaço a que têm direito em um país que se orgulha de ser um bastião de liberdade e fraternidade. Entretanto, talvez uma das netas de Mireille Knoll, Noa Goldfarb, tenha definido melhor a situação. Depois da tragédia da morte da avó, ela escreveu no Facebook, de Israel: “Saí de Paris há 20 anos sabendo que nem o meu futuro, nem o do povo judeu estão ali”.

Bari Weiss é editora de equipe e redatora da coluna de opinião do New York Times.
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