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Os movimentos de rua que vemos na atualidade são atípicos, vez que não têm uma bandeira dominante, nem mesmo uma ideologia de consenso. O que se vê hoje é uma pluralidade de reivindicações apartidárias. Se existe algo novo é a aversão a qualquer bandeira de partido ou sindical. E, então, cada um reivindica os seus próprios interesses imediatos; às vezes vemos até mesmo interesses conflitantes dentro do mesmo protesto, caso do povo que quer melhor atendimento hospitalar e, ao seu lado, a classe médica que denuncia a suposta hipocrisia do programa Mais Médicos.

Nesse cenário de manifestação, surgem os mascarados, que agem com violência e truculência. Boa parte deles é constituída de baderneiros da hora; outros integram o movimento internacional Black Bloc, o qual se articula através das redes sociais sendo, em sua maioria, constituído de jovens estudantes da classe média baixa. Sob o mote do anarquismo, esta tribo urbana segue uma cartilha que prega a desobediência civil contra toda e qualquer autoridade ou lei imposta. E assim o faz porque entende que aludidas normas representam uma violência contra as suas liberdades fundamentais. Eis a contradição: a violência na rua como forma de protestar contra a violência institucional do Estado.

Ainda que por via oblíqua, os mascarados afastam os manifestantes da rua, mancham a imagem da marcha popular de luta, fazendo com que ela seja vista como um movimento violento, sem ordem e sem escrúpulos. Ao mesmo tempo em que ganha visibilidade o protesto que difunde o ideário anarquista, a ação dos black blocs desvia o foco das reivindicações da massa. Diante disso, surge uma dúvida: a estratégia dos mascarados se baseia na teoria de Gramsci?

De nossa parte, entendemos não ser possível invocar a teoria pura de Antonio Gramsci para fundamentar eventual tática dos mascarados, máxime porque ele combatia a estratégia de hegemonia capitalista e sua superestrutura ideológica que dava sustentação ao poder através da união dos proletariados (a classe dominada) – exatamente o contrário do que fazem os mascarados que, por força de seus atos violentos, apavoram e desarticulam a unidade do movimento popular. O que se aproveita das ilações de Gramsci, para a compreensão dos atuais protestos de rua, é apenas a sua constatação de que um poder de governo se mantém não só pelas forças armadas, mas também pela busca do consenso ideológico.

Por outro lado, não se pode ser ingênuo a ponto de negar que a classe que domina o poder acaba por se beneficiar dos efeitos dispersivos da ação dos mascarados. Eis o cenário plural da pós-modernidade: plural nas reivindicações, nos interesses e até mesmo nos efeitos da ação dos mascarados.

José Affonso Dallegrave Neto é mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela UFPR.

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