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Em outubro do ano passado, o PMDB, através da Fundação Ulysses Guimarães, divulgou o programa “Uma ponte para o futuro”, um documento de 19 páginas com propostas para a economia brasileira. Considerando a necessidade de cada um “deixar de lado divergências e interesses próprios” – contrariando a forma de atuação do partido e do presidente interino, Michel Temer –, o texto desenha o caminho que seria necessário para a retomada do crescimento.

O “Uma ponte para o futuro” se soma à Agenda Brasil, proposta pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, sendo igualmente voltado à questão fiscal e a todo tipo de “flexibilização” necessária para estimular a iniciativa privada. Cabe analisarmos o que os planos do PMDB e de Michel Temer reservam para a classe trabalhadora.

Um dos seus principais pontos é propor o fim das vinculações constitucionais estabelecidas, como os porcentuais da receita definidos como gastos mínimos obrigatórios em saúde e educação, deixando dúvidas quanto ao financiamento desses serviços públicos essenciais já tão precarizados. Para dar maior margem a ajustes fiscais, a ideia ignora completamente o contexto atual no qual muitas famílias, não conseguindo arcar com as mensalidades, deixam os sistemas privados de educação e saúde e migram para os sistemas públicos. É projetado “o fim de todas as indexações, seja para salários, benefícios previdenciários e tudo o mais”, o que significaria o fim da política de garantia de aumento real do salário mínimo, importante instrumento de redução da desigualdade, com possibilidade de reajuste real do salário mínimo abaixo da inflação e reajuste das aposentadorias abaixo do salário mínimo. Quanto aos programas sociais, é previsto que a cada ano todos devam ser “avaliados por um comitê independente, que poderá sugerir a continuação ou o fim do programa, de acordo com os seus custos e benefícios”, o que pode ser importante, à medida que visa a não eternização dos programas, ao mesmo tempo em que pode pô-los em xeque, já que o próprio texto afirma que o país “gasta muito com políticas públicas”.

A classe trabalhadora é mais uma vez convocada para pagar a crise

Outro ponto importante é o estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria “que não seja inferior a 65 anos para os homens e 60 anos para as mulheres, com previsão de nova escalada futura dependendo dos dados demográficos”, o que tende a prejudicar a população mais pobre, a qual entra mais cedo no mercado de trabalho. Por outro lado, é essa camada da população que geralmente já se aposenta pelo critério da idade, dada a não inserção no mercado formal de trabalho, conforme apontado por um estudo encomendado pelo Senado – longe de ser uma justificativa plausível para a proposta, trata-se antes da apresentação de outro problema. Este e outros pontos de uma possível reforma previdenciária já estão sendo discutidos com algumas centrais sindicais.

Por fim, é apresentada a proposta de “permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos”, fazendo com que o acordado possa prevalecer sobre o legislado, o que pode significar perdas para os trabalhadores em situações em que os sindicatos não estejam bem organizados e não tenham força suficiente para negociações realmente favoráveis aos trabalhadores, ou em casos em que os sindicatos sejam comprometidos com os interesses patronais.

Embora aborde extensamente a questão dos juros e da dívida pública, não há qualquer menção à auditoria da dívida pública, ainda que o pagamento dos seus juros represente quantia bem superior aos gastos previdenciários ou com saúde e educação, por exemplo. Como apontou um dos principais nomes do próprio PMDB, o senador Roberto Requião, trata-se de um programa “distante do povo e próximo dos bancos”, cujo tom é o mesmo de Michel Temer em seu áudio “vazado” meses depois, que seria o seu primeiro discurso como presidente em exercício, no qual ele fala sobre a promoção de reformas para incentivar a “harmonia” entre empregadores e trabalhadores e explicita que esse processo significaria “sacrifícios iniciais para o povo brasileiro”.

Todas as medidas citadas não aparecem isoladas, evidentemente. Elas compõem um conjunto de reformas (previdenciária, orçamentária, fiscal etc.) e não se trata de buscar aqui atribuir aspectos de “maldade” a seus autores. Distante de pretender malvados preferidos ou preteridos, é essencial questionar sobre quais ombros seria construída a ponte peemedebista, marcada pelo retrocesso trabalhista e que inclui também a terceirização em sua agenda. Como bem coloca o deputado federal Chico Alencar (PSol-RJ), a ponte que o PMDB propõe seria construída “com os mesmos materiais desgastados, corrompidos e precários do atual presente”. A classe trabalhadora é mais uma vez convocada para pagar a crise.

Raul Lucas Tanigut Brisola Maciel e graduado em Ciências Econômicas pela UFPR.
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