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Os politicamente corretos são a patrulha ideológica que procura higienizar a sociedade tentando depurar sua história daquilo que não agrada a seus olhos e ouvidos

Pois é, o Conselho Nacional de Educação resolveu colocar o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, no índex e recomendar que não seja enviado às escolas, por ver nele manifestações de racismo. Quando soube do episódio, imaginei que se tratava de uma decisão de um burocrata qualquer, que nada mais fazia do que confirmar o que disse Roberto Campos a respeito da burrice no Brasil: ela tem um passado glorioso e um futuro promissor. Depois, vieram os detalhes e se soube que a decisão, longe de ser obra de um burocrata hipercorreto, foi aprovada pela unanimidade dos membros na câmara em que foi apreciada em um órgão de assessoramento do Ministro da Educação.

Trata-se de uma nova manifestação desse movimento tentacular e detestável que se convencionou chamar de politicamente correto. Os politicamente corretos são a patrulha ideológica que procura higienizar a sociedade tentando depurar sua história daquilo que não agrada a seus olhos e ouvidos. A linguagem é uma de suas ferramentas preferidas e se esmeram em censurar nomenclaturas, termos e situações utilizadas ou criadas no passado, como se isso fosse uma vacina eficaz contra o preconceito e a intolerância no presente e no futuro. Daí a tolice de zelar para que negros sejam chamados de afrodescendentes, os índios de nativo brasileiros e os velhos de indivíduos da melhor idade (melhor para quem, cara-pálida?), como se chamar os negros de negros, os índios de índios e os velhos de velhos fosse ofensivo. O que é ofensivo é imputar a esse ou aquele grupo humano como um todo, características desprezíveis ou indesejáveis e adotar ou consentir atos e atitudes de discriminação efetiva em relação a eles. Chamar os índios de índios é apenas perpetuar o engano cometido por Colombo quando chegou ao Novo Mundo e acreditou ter chegado às Índias, nada mais. Os índios, aliás, agradeceriam muito mais, se os eurobrasileiros e eurodescendentes lhes dispensassem tratamento mais respeitoso do que os nativobrasileiros têm recebido secularmente.

Tentar banir o livro de Monteiro Lobato é ridículo sob qualquer aspecto. Primeiro porque não se pode reescrever a história de uma nação, seus costumes, sua linguagem, suas idiossincrasias e mesmo seus equívocos para sanitizá-la. Monteiro Lobato retratou uma época da história do Brasil rural, com todas suas delícias e suas mazelas. Tentar "retocar" Lobato, excluindo trechos de sua obra é como tentar "corrigir" uma tela de Van Gogh ou de Gauguin. Caçadas do Pedrinho é uma das aventuras mais ingênuas da turma do Sítio do Picapau Amarelo, mas, se for levar a ferro e fogo, todos os livros de Lobato deveriam ser proibidos: Emilia era uma boneca cruel, que ameaçava constantemente torturar o pobre Visconde de Sabugosa arrancando seus braços e suas pernas e o Marquês de Rabicó é um leitão permanentemente ameaçado por Tia Nastácia de ser posto na panela (claro assédio moral!!!). Enquanto isso, o grande Monteiro Lobato, que ensinou às crianças brasileiras o valor do subsolo e a defesa do patrimônio natural brasileiro contra a cobiça das multinacionais com O Poço do Visconde e despertou a consciência do país para os problemas sanitários com o Jeca Tatu deve estar perplexo com tanta tolice.

É preciso brecar urgentemente essa patrulha ideológica. Se não o fizermos, logo perderemos o Carnaval pois Lamartine Babo tem de ser banido por racismo e intolerância. E, em sua insânia, os politicamente corretos estarão se perguntando: por que não censurar também uma coleção de livros em que vários comportamentos condenáveis são descritos com ar de naturalidade? Um velho embriagado anda nu despudoradamente no meio de sua tenda (Gênese 9); duas filhas seduzem o pai embriagado (Gênese 19:20); um rei apaixona-se pela mulher de um de seus generais e manda o marido para as batalhas mais renhidas para ser morto, abrindo caminho para a posse definitiva da viúva (Samuel 11). E um filho, com a ajuda da mãe, ilude o pai, fazendo-se passar pelo outro, o primogênito (Gênese 27).

Se depender dessa turma dos politicamente corretos, a Bíblia está com os dias contados.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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