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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

A principal tarefa do planejamento urbano local é a gestão do crescimento da cidade, de modo a assegurar níveis adequados de bem-estar e qualidade de vida para todos os novos bairros, sem prejuízo para os bairros existentes. Infelizmente, uma parte desse crescimento tem ocorrido em função de ocupações espontâneas ou de programas com financiamento público nos quais a limitação do custo do terreno costuma empurrar esses novos residentes para áreas mais periféricas.

Enquanto não se equaciona uma solução aceitável para essa limitação, a opção é utilizar instrumentos urbanísticos alternativos para que esse afastamento seja o menor possível. É nesse contexto que se utilizam os coeficientes de aproveitamento diferenciados, a outorga onerosa e a transferência do direito de construir, entre outros instrumentos, caracterizando uma espécie de “moeda municipal”, pois representam valor real em termos de potencial de área edificável.

Já no final dos anos 80, Curitiba inovou na adoção da transferência do direito de construir para proteger os imóveis de valor histórico e as áreas verdes de valor ambiental, pois sem essa proteção ambos os casos estariam sujeitos à deterioração e à perda, com enorme prejuízo para o valor patrimonial da cidade. Na realidade, essa decisão foi uma demonstração de respeito e consideração para com as famílias que possuíam esses imóveis e se preocuparam em mantê-los, apesar da pressão do mercado imobiliário.

Curitiba inovou na adoção da transferência do direito de construir para proteger os imóveis de valor histórico e as áreas verdes

Note-se que, na maioria das cidades, o crescimento da área edificada se dá inicialmente pela sua expansão física nas áreas vazias. A substituição de edificações existentes só ocorre quando entram em vigor altos coeficientes de aproveitamento que asseguram viabilidade econômica para essa substituição. Esse é, aliás, um dos argumentos em favor de menores coeficientes, pois ajudam a incentivar a conservação das edificações mais antigas, pois passa a valer a pena sua reforma e modernização, mesmo mantendo as características básicas de paisagem urbana.

Quando a lei de zoneamento de 1975, ao reforçar a implantação do Plano Diretor, adotou altos coeficientes de aproveitamento para os corredores estruturais, fez isso em sã consciência, pois era a única forma, àquela época, de sinalizar a prioridade de ocupação nas vias por onde passaria o ônibus expresso, disputando mercado com o centro tradicional. Desde então, as revisões da lei de zoneamento e do Plano Diretor passaram a incorporar as inovações instrumentais oferecidas pelo Estatuto da Cidade, de 2001, e outros marcos legais.

Ao longo do tempo, esses instrumentos foram sendo aperfeiçoados em conjunto com os demais parâmetros de uso e ocupação do solo, na busca de elementos que melhorem a qualidade da gestão territorial da cidade. Se, por um lado, as diversas esferas de governo são as entidades responsáveis pela implantação de infraestrutura e equipamentos públicos e comunitários, sabe-se, por outro lado, que é o setor privado que constrói de fato a cidade formal, acrescentando-se ainda as ocupações espontâneas por parte daqueles segmentos populacionais que não encontram resposta adequada nem nas políticas públicas de habitação e emprego, nem nas ofertas do mercado formal. Assim é como começa a informalidade territorial que, depois, precisará ser regularizada para ser incorporada à cidade formal, com custos reais que muitas vezes ultrapassam os valores que seriam investidos dentro de um processo convencional de ocupação do solo.

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Também nesses processos de regularização, a outorga onerosa aparece como uma ferramenta importante de apoio, mas precisa ser utilizada com prudência e justiça, facilitando aqueles casos onde a população mais vulnerável adquira sua cidadania patrimonial ao ver-se integrada à cidade formal, mas punindo onerosamente aqueles casos nos quais a pessoa interessada tenha realizado obras abusivas sabendo de antemão que não seriam autorizadas, e mesmo assim, dentro de limites aceitáveis, para que essa regularização da má fé não constitua um incentivo.

Então, para atender com maior rapidez as necessidades de urbanização e equipamentos para a satisfação das necessidades desses novos bairros regularizados, foi preciso lançar mão de outra ferramenta vinculada ao uso de potencial construtivo que ficou conhecida como Programa Especial de Governo.

Por meio da venda de quotas de potencial originário de imóveis públicos, o governo municipal recebe recursos financeiros rapidamente transformados em infraestrutura e equipamentos comunitários. Todo esse processo de gestão territorial inclusiva é bastante encorajador quando existe crescimento econômico e dinamismo imobiliário.

A outorga onerosa aparece como uma ferramenta importante de apoio, mas precisa ser utilizada com prudência e justiça

Entretanto, o assunto fica bem mais complicado quando o cenário é de estagnação econômica e demográfica. Se bem que alguns indicadores apontam para uma tímida retomada do crescimento econômico, é fato que todas as projeções demográficas do Ipardes e IBGE sinalizam a continuidade da diminuição nas taxas de crescimento da população curitibana, estimando-se que a cidade terá uma população residente estabilizada na ordem de 2,1 milhões de habitantes, mas cada vez mais velha em idade média.

Esse cenário representa um bônus demográfico em termos de necessidade de novos equipamentos públicos e comunitários, pois não haverá maior demanda, podendo completar-se progressivamente todos os casos de carência de urbanização. Porém, há que se ponderar igualmente que a cidade vai precisar de ajustes na qualificação dos espaços públicos para atender corretamente essa nova demanda, com diversidade de amenidades, acessibilidade diferenciada, mobiliário urbano adequado, enquanto o setor privado terá de modificar seus padrões construtivos para satisfazer as novas necessidades desses contingentes de mais idade.

Nesse cenário, os instrumentos da outorga onerosa, transferência e quotas de potencial precisam ser dosados com muito cuidado para evitar que se transformem em moeda podre sem servir a ninguém nem à cidade. Além disso, será preciso evitar que sua utilização não seja reciprocamente predatória, pois o resultado financeiro dessas operações impacta de modo diferenciado na alimentação dos fundos municipais que financiam os investimentos em habitação social, proteção patrimonial de imóveis históricos e áreas verdes, infraestrutura urbana em geral e equipamentos públicos.

Alberto Paranhos é economista, assessor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba e coordenador da revisão da Lei de Zoneamento Uso e Ocupação do Solo de Curitiba.
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