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Perguntas e respostas para quem precisa da Justiça ou tem ação em andamento em tempos de coronavírus
| Foto: Pixabay

Em boa hora foi editada a Medida Provisória 966, que “dispõe sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da Covid-19”. Trata-se de mais uma nova norma que integra a longa série de medidas editadas para compor um regime jurídico especial e específico para regular situações jurídicas no curso da pandemia do coronavírus. Chegou causando polêmica inexplicável, a ponto de no mesmo dia da sua edição já ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Rede Sustentabilidade.

O que fez a medida provisória? Ela praticamente reproduz normas contidas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), com a redação dada pela Lei 13.655/18, para limitar a responsabilidade dos agentes públicos aos atos praticados com dolo ou erro grosseiro. Assim, a norma torna específicas as regras que já existiam na LINDB. Até aqui, nada de novo! A redundância, contudo, não é ruim. A especificidade da norma, de aplicação específica para situações envolvendo atos relacionados com a pandemia, pode contribuir muito para dar mais segurança jurídica para os agentes envolvidos nos processos relacionados a ela. Afinal, muitas condutas devem, neste período, ser realizadas com urgência, e a urgência pode levar ao cometimento de erros. E os agentes públicos não podem deixar de agir com temor de serem punidos por seus atos (estamos falando de agentes honestos e corretos).

Nesta nova MP há apenas uma inovação significativa em relação ao disposto na Lei 13.655/18. O artigo 28 da LINDB preceitua que “o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”. Dolo é intenção, e o erro grosseiro se caracteriza pela grave negligência, grave imprudência ou grave imperícia. É desejável que o agente público seja responsabilizado se pratica conduta nestas condições.

O fato é que a LINDB não isenta expressamente os agentes públicos de terem de reparar danos, ainda que não possam ser responsabilizados porque não atuaram com dolo ou erro grosseiro. Em outros termos, há hoje interpretação de que o limite da responsabilidade pessoal do agente público aos casos de dolo ou erro grosseiro somente se aplica para a responsabilidade de cunho sancionatório, não alcançando a responsabilidade civil (condenação a reparar o dano).

Nesta linha, o agente público pode deixar de sofrer sanção, por não ter sido provado o dolo ou o erro grosseiro, mas pode ser condenado a reparar os danos causados com a conduta praticada (responsabilidade civil). Este é, por exemplo, o entendimento expressado no Acórdão 11.762/18 do Tribunal de Contas da União, pelo qual o agente público, por não ter sido provada conduta dolosa ou em erro grosseiro, “deve ser condenado em débito, mas diante da ausência de culpa grave, deve ser dispensado de aplicação de multa”. O TCU, neste caso, afastou a responsabilidade de cunho sancionatório, e entendeu presente a responsabilidade civil (reparar os danos). Inovando neste sentido, a MP 966 expressamente prevê que o agente público somente pode ser responsabilizado nas “esferas civil e administrativa” se agir ou se omitir com dolo ou erro grosseiro. Ou seja, se a sua conduta não puder ser punida com sanção, também não pode ser condenado a reparar o dano.

Não se trata de proteger o agente público que atua em fraude, dolosamente, ou com culpa grave. Não se trata de medida destinada a “livrar a cara” dos agentes públicos. Apenas trata de evitar que o agente público responda objetivamente por ato praticado, ou seja, ainda que tenha atuado sem culpa ou sem dolo. Afinal, deve ser responsabilizado apenas o agente público que atue com grave ineficiência, com descuido grave ou com desonestidade, e não aquele que, eventualmente pretendendo e querendo acertar e atender o interesse público, por erro desculpável seja responsabilizado e punido. Críticas à nova MP: muito barulho por nada, como diria Shakespeare.

José Anacleto Abduch Santos, advogado, é procurador do Estado, mestre e doutor em Direito Administrativo, professor do Unicuritiba e coordenador do curso de especialização em Licitações e Contratos Administrativos do UniBrasil.

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