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Minha geração já assistiu a diversos milagres políticos. Um deles foi o desmonte do socialismo real no Leste Europeu, que provavelmente não teria ocorrido naquele momento se não fosse a liderança moral do papa João Paulo II. Com o seu sentimento polonês, ele teve papel fundamental no despertar da necessidade das mudanças que as forças sociais empurravam nos países daquela área.

Nesses dias, o milagre foi retomar as relações diplomáticas entre dois povos que viviam como inimigos a poucos quilômetros de distância, sem que um conseguisse vencer o outro. Nem os EUA estrangularam Cuba pelo uso do poder econômico, nem Cuba estrangulou os EUA com guerrilhas na América Latina.

O reatamento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba, que um dia ocorreria pela pressão das forças sociais nos dois países, não teria acontecido agora sem a ousadia tanto do presidente Barack Obama quanto do presidente Raúl Castro, e sem, sobretudo, a força moral, aliada ao sentimento latino-americano de Sua Santidade, o papa Francisco.

O mundo inteiro reconhece o papel de Sua Santidade na quebra do impasse de cinco décadas entre os dois países. Mesmo com a força política dos dois presidentes, as forças sociais não definiriam o momento; poderiam ficar represadas por outras décadas, até que um gesto as despertasse.

No Brasil, passamos por isso. A desigualdade que nos envergonha, a violência que nos mata, a corrupção que nos rouba recursos, a ineficiência que nos estrangula. Tudo isso pressiona para que algo ocorra e permita nosso salto para uma sociedade eficiente e harmônica. Sabemos o que é preciso fazer, sabemos como fazer, temos os recursos para isso, falta que as lideranças políticas se indignem, colocando a moral na frente da política e tomando decisões decentes quanto ao uso dos recursos dos quais dispomos.

Mas parece que internamente não estamos conseguindo este despertar. Agimos barrando a vontade das forças sociais e não a favor delas.

Precisamos reatar relações entre nossas classes sociais. E o caminho é colocar todas as nossas crianças em escolas com qualidade e com a mesma qualidade: os filhos dos pobres em escolas tão boas quanto as escolas dos filhos dos ricos. As forças sociais buscam isso, na ânsia de fazer com que o Brasil seja um país eficiente, justo, decente e com liberdade individual plena. Mas a política não se sensibiliza.

Aparentemente há um divórcio entre a ansiedade das forças sociais, querendo um país melhor no futuro, e o comodismo das forças políticas, que querem apenas administrar improvisadamente o presente. Por isso, meu apelo ao papa Francisco: escreva aos líderes políticos brasileiros, do governo e da oposição, como fez para os líderes de Cuba e dos EUA, e fale da necessidade de reatamento social. Talvez Sua Santidade consiga nos despertar, como fez com os presidentes Obama e Castro.

O ano novo é um bom momento para isso.

Cristovam Buarque, professor emérito da UnB, é senador pelo PDT-DF.

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