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urna eletrônica voto impresso PEC
TSE realiza testes de seguranças em urnas eletrônicas.| Foto: TSE/Divulgação

O instituto da reeleição fracassou. Não podemos mais ignorar o fato em sua eloquente realidade. Sem cortinas, os quase 25 anos de reeleição no Brasil demonstram que tal possibilidade política foi instrumentalizada em favor do fisiologismo desbragado, das bases partidárias de ocasião e de volúveis maiorias parlamentares, tendo como fonte de sustentação a estúpida sangria de recursos públicos por caminhos nebulosos. Ou seja, a malsucedida experiência brasileira revela que a reeleição fragilizou a qualidade de democracia e comprometeu a verdade da vontade popular.

Sim, a vida ensina que o casuísmo é incapaz de gerar soluções duradouras. Objetivamente, aquilo que foi posto em prática para possibilitar a reeleição de FHC – e a consequente consolidação do Plano Real – perdeu essencialidade política e amparo republicano. Não há dúvida de que a medida pode ter sido movida por ideias nobres, mas mesmo a nobreza de intenções pode se mostrar errada no curso do tempo, a ensejar pertinente e inadiável aperfeiçoamento institucional.

Por oportuno, convém lembrar pontual excerto da justificativa apresentada à proposta de emenda constitucional: “Entendemos que o amadurecimento do processo democrático passa pelo instituto da reeleição, entendido este aqui como um fator importante da constituição de corpos administrativos estáveis. À população brasileira deve ser dada a opção de decidir pela continuidade de uma administração bem-sucedida, como já acontece na maioria dos países. Além disso, cria-se, com isso, a efetiva possibilidade de se levar a efeito o cumprimento de metas governamentais de médio prazo, o que se torna praticamente impossível no sistema atual”.

Como se vê, a reeleição teve como princípio fundante a estabilidade da administração para fins de continuidade de projetos políticos exitosos de médio prazo. Todavia, a razão da descontinuidade de políticas de Estado virtuosas não estava – e não está – na impossibilidade de reeleição, mas na carência de homens públicos de envergadura que, antes de miúdas questões partidárias, atuam à luz dos legítimos interesses da nação, exaltando a ética da responsabilidade e a decência de procedimentos. Logo, como não atacamos a causa, o problema persiste e pulsa, agravado por impressionante decadência do corpo político oneroso e voraz sobre fatias bilionárias de recursos públicos.

O bom governo faz sucessão ao natural, pois o líder autêntico multiplica a liderança, não recaindo na ambiciosa vaidade de apenas querer o poder para si nem a qualquer custo.

Naturalmente, como não poderia deixar de faltar, a questão foi judicializada, impugnando-se, em especial, a desnecessidade de desincompatibilização de cargos aos candidatos em busca de reeleição. O Supremo, por maioria, em 1998, rejeitou ação direta de inconstitucionalidade, vindo a firmar entendimento no sentido de que “não se tratando, no § 5.º do artigo 14 da Constituição, na redação dada pela Emenda Constitucional 16/1997, de caso de inelegibilidade, mas, sim, de hipótese em que se estipula ser possível a elegibilidade dos chefes dos poderes executivos, federal, estadual, distrital, municipal e dos que os hajam sucedido ou substituído no curso dos mandatos, para o mesmo cargo, para um período subsequente, não cabe exigir-lhes desincompatibilização para concorrer ao segundo mandato, assim constitucionalmente autorizado”.

Em boa hora, o eminente ministro Marco Aurélio abriu divergência, vindo a assentar que “princípios basilares da Carta de 1988 estão em jogo, principalmente presente a circunstância de a matéria dizer respeito à eleição para cargos do Executivo; eleição que se pretende, conforme está na Carta, ocorra com a igualização das condições dos diversos candidatos. E já temos a lei, atacada mediante esta ação direta de inconstitucionalidade, a criar certas prerrogativas que iniludivelmente consubstanciam uma vantagem para aqueles que tentarão a reeleição”.

Ora, apesar da manifesta quebra da paridade de armas eleitoral, a reeleição – sem necessidade de desincompatibilização – foi tida por constitucional. A partir daí, deu no que deu: FHC se reelegeu, Lula se reelegeu, Dilma se reelegeu. O histórico opaco demonstra que há clamorosa ruptura no princípio da igualdade de forças eleitorais, sendo a posse da máquina pública vetor de gritante favorecimento político ao eventual ocupante do cargo. Ou será que as reeleições presidenciais verificadas no Brasil se deram pelo mérito e virtude dos reis e rainha de plantão? Ainda, não será a reeleição a causa determinante do apelo ao impeachment como salvaguarda de democracia perante governos ineptos ou incompetentes?

Entre silêncios de oportunismo ou conivência, a sabedoria se levanta e faz eco à autoridade da razão pensante. Em página política clássica e não menos fundamental, a inteligência superior de Assis Brasil bem pontou que “com a irreelegibilidade imediata poderemos privar-nos da prolongação de um bom governo, mas compensa-nos largamente a segurança de estarmos livres da perpetuação dos maus”, vindo a concluir que aquele que se quiser fazer reeleger “abandonará em breve o cuidado da causa pública, para se dedicar durante todo o período do seu governo a arquitetar a encenação da futura tragicomédia eleitoral”.

As letras acima do notável homem público gaúcho são de 1934; todavia, parecem escritas sobre o hoje. O tempo passa, mas é incapaz de apagar o brilho das verdades imortais. Aqui chegando, resta claro que o Brasil está sendo vítima de sucessivos maus governos e não será os reelegendo que os tornaremos bons. Aliás, o bom governo faz sucessão ao natural, pois o líder autêntico multiplica a liderança, não recaindo na ambiciosa vaidade de apenas querer o poder para si nem a qualquer custo.

*Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.

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