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Mas a senhora cortou aquela árvore, tão bonita?! Cortei, sim: toda dia era uma folharada em cima do carro.

Infelizmente, a maioria está com a senhora preguiçosa; todo dia árvores são sufocadas nas vias públicas pelos calçamentos que chegam até o tronco, impedindo-as de se alimentar de água da chuva. Jardins são sumariamente cimentados ou asfaltados de ponta a ponta para não molhar as preciosas rodinhas dos automóveis e criar espaço para estacionamento. Ou árvores são cortadas sem a menor justificativa, como no caso da senhora mencionada. Os motivos são sempre essa maldição urbana chamada automóvel e a preguiça ("ah, dá muito trabalho cuidar de jardim...") precursores da vida de apartamento.

Se, por um lado, há notícias – escassas no meio de tanta devastação – de que alguns animais, escorraçados de seu hábitat, estão aprendendo a viver nas cidades – com a conivência de uns quantos humanos – por outro, os sinais de que as pessoas nada querem com a Natureza são muito mais frequentes e mais agressivos.

Essas considerações não são ecológicas, mas éticas. Claro que a constituição de reservas naturais e proteção de espécies em extinção é fundamental – mas também importa em transformar as cidades em ambientes menos agressivos, menos feios, menos hostis – e isso para nós mesmos, humanos, que só temos a ganhar.

Quem não acreditar, experimente colocar um esparadrapo em qualquer lugar do próprio corpo e deixá-lo. É o que estamos fazendo com o planeta: impossibilitando-o de respirar em extensas áreas, que são as cidades, e fazendo delas feridas na pele da Terra.

É estranho que as prefeituras não levem a sério a exigência de solo permeável nos terrenos, como está na legislação. Estacio­­namentos asfaltados ou cimentados são um crime contra a cidade. Mas também o são as pequenas atitudes de arrogância de condenar uma árvore à morte porque ela derruba folhas. Quantos quilômetros quadrados de área permeável seria possível obter se cada árvore plantada nas calçadas dispusesse de seus dois metros quadrados (mínimo indispensável) para captar água da chuva e o que isso representaria no fim do processo de acumulação progressiva das águas pluviais? Não acho que isso representaria o fim do moderníssimo problema das enchentes, mas certamente seria uma notável contribuição para tanto.

E também não se pode esperar que só a fiscalização resolva o problema. Essa sufocação das árvores nas ruas está acontecendo diante dos olhos benevolentes da Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Como todos os outros problemas urbanos (citando um da moda, a questão do lixo) só a participação consciente da população representa um avanço na direção das soluções.

O melhor retrato da mentalidade brasileira ainda é o de Sérgio Buarque de Holanda: ele fala das leis políticas, feitas para criar uma imagem de que está tudo sob controle, de que o problema está sendo atacado e será resolvido. Mas é só politicagem e demagogia, são leis feitas para não serem cumpridas. Observe o trânsito por cinco minutos: você não deixará de ver alguém passar celulando nas barbas de um impassível guarda da Diretran. E quanto do caos viário se deve a irresponsabilidades com essa, prevista na lei, com penalidades estabelecidas?

Reforçando: a questão é ética – como a que diz respeito aos animais abandonados – e não ecológica ou legal. O órgão internacional que deu o título de sustentabilidade a Curitiba o fez irresponsavelmente, de seus escritórios na Suíça, sem conhecer nossos pequenos assassinos – que cometem grandes crimes.

Key Imaguire Junior é professor aposentado do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPR

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