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Tendemos a nos tornar perigosamente anestesiados com tantos escândalos de corrupção, tantas negociatas, roubos, violência... Infelizmente, esses fatos sempre ocorreram, ainda que em menor escala e não com tanta desfaçatez, mas, felizmente, agora a imprensa não está sob censura; cumpre seu dever de divulgá-los -- e as facções políticas estão em plena disputa, não ocultando o que deve efetivamente vir a público.

Mesmo assim, saturados de tanta informação, nos chocamos com a enormidade desses crimes -- esquecendo, no entanto, dos pequenos crimes, aqueles que nós mesmos podemos cometer no cotidiano e dos quais nem sequer nos damos conta, tão corriqueiros nos parecem. A infração de trânsito, a propina que facilitaria algo, a prepotência com os que nos servem, o maltrato aos animais, a cegueira a crianças pedindo esmolas ou a pessoas que não têm mais nada e dormem ao relento, sob marquises e viadutos. Ignoramos os excluídos, quase como se carecessem de humanidade.

Recente pesquisa com universitários curitibanos reforça as conclusões já efetivadas em outros estados brasileiros: mesmo os jovens não reconhecem como corrupção essas pequenas transgressões à lei -- e até outras, como comprar gabaritos de questões em colégios, universidades ou concurso público, ou adotar a prática do "copia e cola" de textos da internet para realização de trabalhos escolares.

A transgressão em provas é praticada em muitas escolas quase como se fora inevitável, embora nas melhores escolas de muitos países, incluindo o nosso, seja considerada desonrosa e desleal -- e os próprios estudantes encarregam-se de isolar o colega que a pratica, como alguém que procura vantagem indevida e que desvaloriza os esforços do grupo. Afinal, tal suposta vantagem não resistirá ao teste de um mercado de trabalho exigente e criterioso.

Mas, tanto no ensino fundamental quanto no médio, significativa parcela de docentes está desestimulada, descrente do próprio processo educativo e, provavelmente, parte do desinteresse se deve à baixa remuneração, acrescida de precárias condições de trabalho e ausência de infraestrutura adequada ao ensino, não sendo, portanto, estranhos os maus resultados obtidos pelo sistema educacional brasileiro em grandes avaliações internacionais.

Da negligência, pessoal e institucional, advém um nefasto circulo vicioso, em que o professor releva o mau desempenho do aluno -- e este não espera nenhum empenho de seu mestre. Em muitos casos, alunos não esperam rigor, provavelmente (e infelizmente) em função de trabalhos escolares anteriormente não avaliados, ou nem sequer lidos, por aqueles que já não acreditam mais no magistério.

Educação de qualidade, em todos os níveis, requer o bom professor, valorizado e orgulhoso de sua profissão -- e é desta que poderá advir a compreensão de que existe apenas um comportamento, válido para todos e em todos os níveis, já que temos agido como se duas morais distintas regessem nossos atos, parecendo incapazes de considerar corrupção os pequenos – ou não tão pequenos assim – delitos que cometemos. Necessitamos interromper o processo de educar e ser educado sob a égide desta dupla moralidade, olhando com censura os demais e complacentemente aos nossos próprios desvios.

Wanda Camargo, educadora, é assessora da presidência das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil).

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