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"Tudo o que a humanidade tem sido, feito, pensado ou lucrado, encontra-se como que magicamente preservado nas páginas dos livros." (Thomas Carlyle: 1795–1881); "Um país se faz com homens e livros." (Monteiro Lobato: 1882–1948). Qual a afinidade que se pode estabelecer entre os pensamentos do célebre historiador e crítico inglês e o imortal escritor brasileiro já que viveram em países, tempos, civilizações, culturas e costumes tão distintos?

O ponto de confluência está no registro dos fatos e dos seres, na restauração da memória dos acontecimentos antigos, na indicação dos fenômenos da ciência, da arte, da literatura e da técnica, na conservação, enfim, em folhas de papel, das impressões e experiências em torno do homem, da vida e do mundo.

O livro, portanto, é um ponto de partida e um instrumento de referência sobre o passado, o presente e o futuro. De suas páginas brotam todos os sentimentos acalentados e interpretados pelo homem.

Essas reflexões me envolveram ao passar os olhos por uma grande variedade de títulos numa livraria da cidade. Em meio às pesadas publicações científicas e aos volumosos romances, antigos e contemporâneos, pesquei a singela e instigante Memória Caiçara (Histórias de Guaratuba), edição da Imprensa Oficial do estado (2005). As narrativas sobre fatos, mitos e lendas numa composição de linhas esfumadas entre a realidade e a ficção, foram escritas com a sensibilidade, o testemunho e o misticismo do nativo José Jamur Júnior, certamente com a pena molhada na saudade.

São Luiz de Guaratuba da Marinha é a mais antiga cidade balneária do Paraná. As primeiras páginas do livro contêm apropriadas indicações históricas sobre o sítio que, segundo Jamur Júnior, poderia ser chamado de Vila da Paz, Vila da Solidariedade, Vila do Amor, Vila Paraíso, "ao invés de Vila de São Luiz de Guaratuba". Os pró-homens da região, as imigrações da Europa, a produção econômica, a transição da vida rural para a urbana e a evolução política da comunidade, são alguns dos registros que valem como guias didáticos para as gerações do presente e do futuro. Um público necessário para conhecer as origens e a situação de Guaratuba são as crianças e os adolescentes que precisam de referências valiosas sobre a História, a preservação do meio ambiente e a cultura do civismo de nosso generoso Paraná. Fiel às fontes primárias, Jamur Júnior não omite a consulta à obra do ex-prefeito e historiador Joaquim Mafra, História do Município de Guaratuba, editada nos anos 50. Ele também agradece a todos os "bondosos conterrâneos que tiveram a paciência de passar várias horas em longas conversas sobre seus amigos, parentes e conhecidos", demonstrando que esse método de pesquisa da tradição oral é também relevante e, não raro, complementar dos documentos.

O regionalismo "caiçara", no sentido do livro, revela o habitante do litoral, que vive de modo rústico, da pesca ou atividade correlata. Mas a primeira entre outras definições desse substantivo é "cerca ou paliçada feita em torno de taba ou aldeia indígena, para proteção contra inimigos ou animais". Conta Jamur Júnior que a Vila foi construída lentamente, "com suas casas coladas umas nas outras, um estilo que veio com os portugueses sempre atentos para não deixar pontos vulneráveis às invasões". Existe, embora involuntária, uma analogia, que o talentoso jornalista e escritor – notável profissional de comunicação social – deu ao seu livro com a chamada: "Memória caiçara".

Toda e qualquer restauração histórica sobre situações, eventos e personagens precisa de paliçadas, ou sejam, estacas apontadas e fincadas na terra para impedir que os bárbaros, com indiferença, esquecimento e ignorância destruam as reservas da cultura humana e dos costumes locais.

Por isso ninguém melhor que o gênio de Cervantes (1547–1616) para dizer, pelo seu Dom Quixote, na imorredoura novela de realidade e fantasia: "A História é êmula do tempo, repositório de fatos, testemunha do passado e aviso do presente, advertência do porvir".

René Ariel Dotti, advogado e professor universitário, ex-membro do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná.

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